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Não é magia, é Deep Tech

“Vamos falar de coisa boa? Vamos falar de Tekpix?” É meme? É. Mas nesse caso cai como uma luva, porque vamos falar de coisa boa sim, vamos falar da relação entre deep tech e venture capital.

Então, se aprochegue, porque vamos destravar os algoritmos do sucesso!

Era uma vez um nerd – ah, nerd não, vai! Geeks. Ok, vamos de novo. Era um vez um geek que reuniu outros geeks na garagem de casa, ou nos corredores da facul, para “copiarem” um site gringo que estava bombando nos States, com o objetivo de lançar um pelos trópicos. Tropicalizar, manja?

Mas claro… Com uma boa dinheirinha de algum investidor de primeira viagem, instalado na Vila Olímpia (de preferência no CENU-WTC, com o Shopping D&D ali coladinho, tá ligado?), em São Paulo (SP). Investidor que estava louquinho para surfar na onda daquela tal web que tinha acabado de surgir e ia revolucionar a Galáxia e deixar todo mundo rico rapidinho.

Lindo, não?!? Pero no mucho.

Esse, meu caro, minha cara, era o script básico dos primórdios do mundo “pontocom”. Na realidade, estamos falando do final dos anos 1990 e início de 2000. Época na qual reluziam como ouro nomes como AOL (que depois se fundiu com a Time Warner), StarMedia, Yahoo!, MSN, Lycos – no Brasil, nossos pioneiros foram empresas como Mandic, UOL, BOL, Buscapé, Cadê, Webmotors, SOL (do Silvio Santos, acredite se quiser)…

Era uma vida loka. Sem exageros, quase todo santo dia surgia um site novo no mundo e no Brasil que conseguia uma bufunfa fácil de investidores. O final disso você já conhece, porque viveu tudo de perto ou de longe, tanto faz…  Quebra da Nasdaq, estouro da bolha da internet, enfim…

Computador dos anos 90.

Agora, corta para os idos de 2010.

Nessa época, começava a se formar no Brasil o ecossistema de startups tal como o conhecemos hoje em dia, inclusive com esse nome chique (“startup”) e a construção de uma cadeia de seed money (investimento semente), investidores-anjo, os primeiros fundos de venture capital focados nas “jovens empresas nascentes de base tecnológica”, a mídia começando a cobrir essa área e por aí vai…

Uma época marcada pelos efeitos das disrupções de Steve Jobs (iPhone, em 2007, e o iPad, em 2010), a era dos aplicativos, das fintechs e a diversificação do comércio eletrônico, com o surgimento de muitas startups. Até bichos do universo mágico passaram a povoar nossos sonhos (já ouviu falar em unicórnios?).

Museu da Apple na Polônia exibe modelos do iPhone e iPad.

Para fazer um resumo menor que um tweet, o que unia essa etapa – que durou nesses moldes até pouco tempo atrás – à primeira chama ardente pontocom era outro termo bem bonitinho: copy cat.

Em bom português, isso descrevia uma startup que baseava (ou copiava mesmo, na cara larga) o modelo de negócios ou serviços já testados por aí. E validados onde? No Vale do Silício, U-S-A, mermão!

Nota da Redação: Que fique claro que isso é um relato histórico, ninguém tá dando carrinho por trás no centroavante. Com erros e acertos, foi assim que nosso mercado se alimentou, cresceu, ficou forte e bonitão. Foram jogadas que resultaram em muitos gols e que nenhum VAR invalidou.

Corta agora para o mundo pós-pandemia, my friend.

Foi essa trajetória, com os aprendizados e aperfeiçoamentos no meio da jornada, que nos permitiu entrar mais recentemente numa nova etapa, muito mais sofisticada, complexa e profundamente antenada com as questões no nosso tempo: a Era das Deep Techs. As estrelas do momento são startups com soluções baseadas em ciência e tecnologia de ponta – coisa de cabeção mesmo, de PhDs -, destinadas a solucionar problemas críticos da economia brasileira.

Estamos falando de desafios relacionados às mudanças climáticas, energias renováveis, desmatamento, economia verde, automação, Inteligência Artificial, blockchain, robótica, computação quântica, biotecnologia, bioengenharia e materiais avançados para a indústria.

Os PhDs, por sua vez, perceberam que, para seu conhecimento gerar um impacto ainda maior na sociedade, poderiam empreender e transformar suas descobertas em startups – neste caso, as chamadas deep techs.

Só para dar um cheirinho do estágio atual desse segmento, estima-se que as deep techs tenham recebido US$ 8,4 bilhões de investimento em 2019 só na Europa, um aumento de 25% em relação ao ano anterior. No mundo, foram US$ 18 bilhões em 2018, registrando na época uma expansão de 25% ao ano, segundo dados do Boston Consulting Group.

No Brasil, embora ainda estejamos no começo de uma jornada que não tem fim, as deep techs vêm ganhando musculatura graças a um ecossistema de startups cada vez mais maduro. Os hubs de inovação e o segmento de venture capital cumprem papel importante nesse processo. Mas a fórmula mágica é a aproximação desses atores com os cientistas e pesquisadores, aqueles que estão mergulhados nos laboratórios em busca de soluções para os grandes problemas brasileiros e do mundo. “Nossos exemplos de sucesso como negócio vêm de iniciativas que souberam conjugar ciência, tecnologia, inovação e visão pragmática de negócios, tanto nacionalmente como no exterior”, diz Carlos Moura, sócio da Space Wise e pesquisador do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER).

Ele avalia que os segmentos produtivos que já são fortes (como energia, agro, mineração, aeronáutica) e os que detêm mercados consumidores relevantes (conectividade para pessoas e máquinas, cosméticos, entretenimento, sensoriamento remoto em amplo sentido) podem receber um novo empurrão de melhorias tecnológicas e novos negócios. “O venture capital pode ligar essas pontas, viabilizando ideias que se transformem em soluções que alavanquem nossa economia e nosso bem-estar”, afirma Moura, que também é ex-presidente da Agência Espacial Brasileira (leia mais na seção 3 Perguntas).

Para Anderson Correia, presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Brasil tem várias áreas promissoras do ponto de vista científico e de negócios, como a aeronáutica, agricultura, satélites e combustíveis alternativos. Mas, para avançar, reforçar a aproximação entre academia e venture capital é fundamental.

On the stage

Um dos setores em que as deep techs está brilhando há algum tempo no Brasil é o de tecnologia para o agronegócio (AgTech). Com 20 anos de mercado, a Smartbreeder, por exemplo, tem uma com uma plataforma preditiva que auxilia no controle de doenças e pragas. Para isso, ela coleta quantidades gigantescas de informações em diversos pontos da fazenda para dizer ao produtor rural onde, quando e como ele deve utilizar os insumos ou defensivos agrícolas.  As análises e previsões são feitas por meio de uma série de tecnologias, como Big Data, Inteligência Artificial, Deep Learning, Aprendizado de Máquina, Computação Cognitiva e Modelagem de Culturas.

Com mais de 100 colaboradores, a Smartbreeder trabalha com cerca de 100 usinas parceiras e 443 fornecedores de cana. “Temos mais de três milhões de hectares e contamos com mais de 25 mil fazendas. Na última safra, houve uma redução de perdas para a nossa base de R$ 5 bilhões”, lembra.

No caso da Ponta Agro, a inovação também é a base do negócio, mas, neste caso, com um foco maior na pecuária. Com sede em Maringá (PR) e Betim (MG), a empresa aplica a tecnologia de precisão para facilitar a coleta e o tratamento de dados na pesquisa, na genética, no pasto e no confinamento.

Com presença em nove países, a Ponta Agro conta com mais de 120 colaboradores, que atendem a cerca de 500 clientes da pecuária, tanto no segmento comercial como nos centros de melhoramento genético. Segundo a empresa, suas tecnologias gerenciam mais de sete milhões de animais por ano e mais de R$ 25,8 bilhões de ativos sob gestão.

Tecnologia para mensuração da eficiência alimentar da Ponta, conhecida como Intergado Efficiency. (Foto: Divulgação)

O lance Cybersecurity

Se o agro é tech e pop, a cybersecurity brilha por ser o escudo que protege empresas dos mais variados setores. E haja ciência e inovação para dar conta do recado! Quanto mais a tecnologia avança, com Inteligência Artificial, 5G e IoT e o que mais você imaginar, mais a segurança cibernética precisa investir em pesquisa para desenvolver novas soluções de proteção.

A brasileira Apura Cyber Intelligence, por exemplo, surgiu em 2012 impulsionada pela carência do mercado por uma empresa capaz de dar respostas a incidentes e análises forenses. Seu principal produto hoje é o BTTng, uma plataforma de inteligência em fontes abertas e ameaças cibernéticas que obtém informações sobre as mais diversas ameaças, sejam elas internas ou externas.

Em constante mudança, essa área da tecnologia deve se tornar ainda mais complexa e necessária num mundo altamente conectado e automatizado. “O futuro da segurança digital será marcado por um aumento exponencial na complexidade e na sofisticação das ameaças, impulsionado pela crescente adoção de tecnologias como IA, 5G e IoT, o que amplia a superfície de ataque e cria vetores de vulnerabilidade”, diz o CEO. Ele continua: “A inteligência cibernética será crucial para monitorar e responder a incidentes em escala global, enquanto as soluções antifraude serão indispensáveis para proteger transações e dados em um ambiente cada vez mais digitalizado e integrado.”

Com mais de 250 mil alertas de segurança emitidos e 75 funcionários, a empresa tem cerca de 150 clientes, entre os quais 15 dos 20 maiores bancos do país e 7 das 10 principais empresas de energia.  Para 2025, o objetivo é reforçar sua atuação internacional, numa estratégia iniciada no ano passado com a abertura de um escritório em Miami, Estados Unidos. “Também pretendemos lançar mais produtos para atingir outros mercados e empresas de todos os tamanhos”, diz o CEO da Apura Cyber Intelligence.

Como se vê, temos bons exemplos de startups no Brasil que mergulham em atividades vitais para a economia. São empresas com soluções complexas, desenvolvidas por equipes especializadas e ligadas à inovação. É um momento de mercado bem diferente daquele dos copy cats que a gente conheceu na infância da internet brazuca.

“A primeira regra de qualquer tecnologia utilizada nos negócios é que a automação aplicada a uma operação eficiente aumentará a eficiência. A segunda é que a automação aplicada a uma operação ineficiente aumentará a ineficiência.”

Bill Gates

3 perguntas para…

Carlos Moura

Sócio da Space Wise, pesquisador do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) e ex-presidente da Agência Espacial Brasileira

(Foto: Divulgação)

1) O Brasil tem tradição de desenvolvimento em tecnologia de ponta em alguns setores, entre eles o agronegócio e o espacial. Por outro lado, durante muito tempo o mercado brasileiro de venture capital viveu de investimentos em startups que replicavam a tecnologia (software) e o modelo de negócios vindos do Vale do Silício. Mais recentemente esse cenário parece ter começado a mudar, com investidores e empreendedores valendo-se da ciência de ponta para gerar novos negócios. Quais são as áreas mais estratégicas para o país e como a ciência e tecnologia podem ser utilizadas para impulsionar o desenvolvimento nacional?

O Brasil, sem dúvida, produz conhecimentos científicos. Carece-nos, no entanto, a transformação desses resultados em produtos e em negócios em um mundo cada vez mais interligado e competitivo.  Nossos exemplos de sucesso como negócio vêm de iniciativas que souberam conjugar ciência, tecnologia, inovação e visão pragmática de negócios, tanto nacionalmente como no exterior.  Creio que nossos segmentos produtivos que já são fortes (como energia, agro, mineração, aeronáutica) e os que detêm mercados consumidores relevantes (como conectividade para pessoas e máquinas, cosméticos, entretenimento, sensoriamento remoto em amplo sentido) podem ser alvo de melhorias tecnológicas e de novos negócios. O venture capital pode ligar essas pontas, viabilizando ideias que se transformem em soluções que alavanquem nossa economia e nosso bem-estar.

2) O senhor tem uma vasta experiência no setor espacial e também é um pesquisador de inovação em energias renováveis. Qual a importância para o país da aproximação do setor espacial do campo de energias renováveis?

Energias renováveis são um conceito que, para realmente se tornarem sustentáveis e diminuírem os impactos ambientais, necessitam de tecnologia em todas as frentes.  Estudos ambientais, monitoramento de produção, eficiência logística e de operação, economia circular, são diversos os aspectos em que sistemas espaciais podem contribuir. Para ser franco, há poucas atividades que não se utilizam, de alguma forma, de algum serviço provido pelo setor espacial.  Muito se fala de o Brasil – que já tem matriz elétrica muito limpa – vir a ser tornar uma grande potência em produção de energia limpa e produtos derivados.  Contar com satélites, com missões das mais variadas, para diminuir riscos de investimento e assegurar produção segura e otimizada, certamente é um imperativo que nos cabe resolver.  Capacidade local não nos falta!

3) Com a nova corrida espacial em curso no mundo, a tendência é entrarmos numa era de novas descobertas científicas e tecnológicas, com impactos em diferentes setores, como a agricultura, telecomunicações, meteorologia e conectividade. Como o país deveria se preparar, em termos de investimentos em pesquisa científica e novas tecnologias, para participar do jogo daqui para frente?

Os principais setores econômicos já utilizam informações e serviços de base espacial.  Sistemas de posicionamento, navegação e tempo (GPS e similares), as comunicações e os novos serviços de conectividade – vindo aí a chamada direct to device – têm permitido evoluções significativas nos ganhos de produtividade. Mesmo no dia a dia do cidadão comum, diversas ferramentas já lhe permitem evoluir em termos de segurança, conforto e disponibilidade.  A questão é que a grande parte provém de fornecedores externos, justamente porque demoramos a conectar nossas capacidades científicas e técnicas à habilidade de produzir soluções comercializáveis.  A mentalidade dos jovens egressos de universidades e cursos técnicos tem mudado.  O empreendedorismo virou pauta comum. Cabe fortalecer os mecanismos de tutoria e de investimentos para que não se fique apenas na dependência de ações da estrutura governamental.