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A Tech tem Alvará

🎶 Tá dominado, tá tudo dominado. 🎶

A edição dessa news poderia até se inspirar no funk da carioca Tati Quebra Barraco.  Afinal, nosso assunto é bem tech. E para onde olhamos nesse século XXI, há uma tech no caminho.

Mas como somos entusiastas das transformações promovidas pela tecnologia, vamos pegar carona na literatura. E com a licença do autor Yuval Noah Harari, em “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”, pensemos:

“O Homo sapiens está prestes a se transformar em algo completamente diferente, seja por meio de manipulação biológica, engenharia de organismos não orgânicos ou a criação de inteligências artificiais. Estamos nos tornando deuses, prontos para criar e destruir à nossa imagem e semelhança.”

Forte, não?

Nessa esteira da criação, já enveredamos pelos caminhos do dinheiro (fintech), da saúde (healthtech), do clima (climatech), do agro é pop (agtech), de governos (GovTech)… E por aí, fomos e vamos.

Mas vem cá… Nesse marzão de “techs”não está faltando alguém? Vamos pensar…

Se dá para acelerar o sistema de saúde, com seus protocolos médicos; e digitalizar a bufunfa, com todo o cuidado que se tem que ter com o dinheiro, acho – só acho! -, que dá para colocar na velocidade dos bytes e megabytes os zilhares de processos nas mais diversas esferas da justiça, concordas?

Pois então… Se você pensou em terno, gravata e pastinha, bingo, acertastes. Sim, estamos falando do maravilhoso mundo jurídico.

Juiz em pé no tribunal.

Nesta edição, data venia, vamos colocar lado a lado defesa e acusação, porque a sustentação oral ou escrita decanta as Law Techs, Legal Techs e toda iniciativa plataformática que alcance o universo jurídico.

Nota da Redação I: Law Techs e Legal Techs são termos frequentemente usados para descrever empresas que aplicam tecnologia ao setor jurídico, mas com nuances em seus focos. Law Techs geralmente se referem a startups que desenvolvem soluções para um público mais amplo, incluindo pessoas físicas e empresas, buscando facilitar o acesso à justiça e informações jurídicas. Legal Techs, por outro lado, tendem a focar em escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, oferecendo ferramentas para otimizar a gestão, produtividade e serviços jurídicos.

Conceitos explicitados, sigamos para a segunda instância: a econômica. Porque não precisa ser nenhum honoris causa para perceber que o papel é uma das principais matérias-primas desse importante ofício de qualquer estado democrático.

Só que não é só o papel que chama a atenção pela quantidade, as cifras também têm seu lugar de destaque.

Future Market Insights deu vida à uma projeção que faz qualquer causídico levantar a sobrancelha. De acordo com a consultoria, o mercado global de tecnologia jurídica deve alcançar US$ 68 bilhões até 2034. Vou escrever por extenso: sessenta e oito bilhões de dólares.

Isso não é um salto. É um duplo twist carpado quando se compara aos US$ 29,6 bilhões registrados em 2024, segundo a consultoria.

Essa expansão toda vai ser impulsionada pela Inteligência Artificial Generativa, que é a IA que saiu do ensino fundamental. Além da transformação digital, mudanças regulatórias e a necessidade de ganhos de eficiência, que vão completar esse impulso estratosférico.

Juiz comunica a sentença de um processo.

“À medida que os processos jurídicos se tornam cada vez mais automatizados e digitalizados, espera-se que a demanda por soluções como gestão de contratos, e-discovery, conformidade e análise jurídica aumente. As empresas estão investindo em plataformas de LegalTech seguras e escaláveis ​​para garantir sua permanência na vanguarda de um mercado competitivo”, escreve a consultoria.

Tem mais. A Future Markets Insight complementa que o setor de Law Tech está “evoluindo rapidamente, alavancando tecnologias de ponta, como Inteligência Artificial, blockchain e machine learning”. É ou não é ou não é de afrouxar a gravata?!?

Só que esse “habeas corpus” tecnológico não conhece fronteiras. E se na gringa, a tramitação anda acelerada; aqui em Terra Brasilis, não é diferente.

O “Relatório Impacto da IA Generativa no Direito”, realizado pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), em parceria com Jusbrasil, Trybe e o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), atesta que 51% dos advogados já utilizam IA jurídica em atividades diárias. Divulgada em fevereiro deste ano, a pesquisa mostra ainda que a IA vem se consolidando como uma ferramenta importante para os advogados.

Trocando em miúdos, em vez de perder tempo fuçando a web ou sistemas de cartórios e tribunais atrás de documentos, os doutores botam os chatbots na parada pra fazerem o serviço – não precisa nem usar mais profissional júnior pra isso, porque agora eles estão livre para fazer outras missões da chefia.

Preâmbulos tecnológicos

Foi de olho nesse potencial que a curitibana Preâmbulo Tech, uma das principais empresas de tecnologia jurídica do País, com sede no Estado do Paraná, fez um aporte na Cria.AI, startup especializada em Inteligência Artificial. Com valor não revelado, o investimento realizado em maio deste ano, tem como objetivo integrar a tecnologia de IA da Cria com os softwares de ERP da Preâmbulo, fortalecendo assim o conjunto de soluções da companhia.

Nota da Redação II: ERP é um sistema de software que ajuda as organizações a otimizar e integrar seus principais processos de negócios em um sistema centralizado.

Data venia, nasce um gigante do mundo legal. Atenção para a pronúncia dessa palavrinha que já usamos em outros momentos aqui nesse texto, mas que agora é o momento ideal para ajustes: “lígal”. Legal em inglês, my dearest friends.

Há mais de 30 anos no mercado, a Preâmbulo tem como principal produto o CPJ-3C, um software de ERP que envolve módulo completo de gestão financeira integrado ao processual, gerador de documentos, gerenciador de fluxo das tarefas do sistema e possibilidade de instalação em sistema de nuvem e telefonia móvel.

A IA da Cria vem para fortalecer esses e outros produtos da Preâmbulo. Em outras palavras, a tecnologia da startup investida utiliza uma estrutura com sete camadas de Inteligência Artificial para gerar documentos jurídicos com base em dados fornecidos pelo usuário. Além disso, a plataforma analisa automaticamente legislações, jurisprudências e argumentos jurídicos, criando peças processuais estruturadas e fundamentadas.

“Hoje a Inteligência tem encurtado distâncias e permite que o ser humano possa se concentrar em questões estratégicas”, afirma Kazan Costa, CEO da Preâmbulo Office e da Preâmbulo Bank, duas empresas do grupo curitibano.

“O grau de erro é alto quando um advogado vai fazer o resumo de um processo grande, pode ter imprecisão. A IA pode fazer esse resumo e uma análise precisa de um processo e entregar para o advogado uma síntese dos fatos mais importantes. Esse é um trabalho da IA, não é o processo todo”, afirma Costa. Com mais de seis mil escritórios de advocacia atendidos e mil departamentos jurídicos, o que totaliza mais de 25 mil usuários de sistemas, a Preâmbulo Tech recebeu em 2020 aporte de R$ 10  milhões do Fundo Criatec 3, gerido pela KPTL.

Direto do Porto Digital

A Intelivix, startup sediada no Porto Digital, em Recife (PE), e especializada em tecnologia para o setor jurídico, também traz a IA no centro de seus negócios. Ela desenvolveu a plataforma Legys para auxiliar os clientes a gerir grandes volumes de riscos jurídicos de forma fácil e rápida. Seu sistema ajuda na análise de dados, como desempenhos de escritórios, perfil de juízes, históricos de julgamentos e atuação de advogados.

Segundo a Intelivix, ela é a única Law Tech com tecnologia própria de ponta a ponta, da captura e extração de dados, passando pela análise, Inteligência Artificial e jurimetria.

Péra, péra, péra… Júri, o quê? Jurimetria.

Nota da Redação III: Jurimetria é um conceito que une estática ao universo do Direito, com o objetivo de analisar padrões, tendências e comportamentos na área jurídica.

Operando por meio do modelo de Saas (Software as a service), o que inclui a implementação de sistemas para grandes clientes, a Intelivix tem usado a IA para reduzir entre 80% a 90% o tempo gasto com monitoramento manual de diários eletrônicos.

“Ela também permite a descoberta proativa de novas oportunidades processuais que passariam despercebidas e eliminam erros humanos que aconteceriam no cadastro e acompanhamento de processos”, afirma Maurício Carvalho, fundador e CEO da Intelivix.

A priori, parece estar pacificado que haverá entendimento entre a tecnologia, profissionais do direito e os ritos processuais inerentes à função. A priori! Contudo, todavia, entretanto, será de bom tom esperar o a posteriori, ainda que seja pro forma.  

“A força do direito deve superar o direito da força”

Rui Barbosa

3 perguntas para…

Anderson Soares

Professor do Instituto de Informática da Universidade Federal de Goiás (UFG), um dos fundadores do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA) e do Bacharelado em Inteligência Artificial da universidade.

Anderson Soares, professor da UFC e co-fundador do CEIA (Foto: Divulgação)

1) Muito se fala sobre o uso de IA Generativa no setor jurídico. Qual é a sua avaliação sobre o estágio atual de maturidade dessa tecnologia para aplicação em tarefas complexas na área do Direito?

Em relação à Inteligência Artificial no setor jurídico, há uns sete ou oito anos, houve uma tentativa de (desenvolvimento) de produtos que faziam muitas tarefas. Isso não se mostrou factível. Mas o momento tecnológico era outro. O jurídico é muito dependente do que acontece em processamento de linguagem natural, de capacidade de processar texto, entender informação não estruturada em texto. E, se a gente olhar no campo científico, esses avanços aconteceram recentemente. Basicamente, começou uma onda em 2018 e 2019 e que se intensificou em 2022 e 2023. Então, agora é que a gente vai ter uma nova onda tecnológica, que nasce na ciência e que habilita a “produtização” disso. E o que eu observo é que está havendo uma nova onda desses produtos chamados de Law Techs. E que, ao invés de ser aquela solução mirabolante que resolve todos os seus problemas, elas estão chegando de forma mais fragmentada, mais específica, são mais funcionais, eficientes, com um bom crescimento de mercado. Só que ao mesmo tempo que isso está sendo efetivo, os escritórios e os departamentos jurídicos começaram a ter duas, três ferramentas (de Inteligência Artificial). E para um um departamento de uma grande empresa isso pode ser um problema. Então, se eu quiser mais uma funcionalidade, vou ter um quarto sistema? Eu acho que muito em breve o mercado vai começar a ver uma certa consolidação de ferramentas, para aí sim a gente ter uma solução mais integrada, que faça várias tarefas menores do cotidiano de um departamento jurídico ou de um escritório.

2) Quais são os riscos e as barreiras (técnicas e éticas) que ainda precisam ser superados para a adoção da IA em larga escala na área jurídica?

Um dos principais riscos que eu sempre enxerguei é a dependência de uma colaboração de uma entidade chamada tribunal e, consequentemente, suas varas. Isso é um risco porque, sem a colaboração dessas entidades, obviamente toda a cadeia fica afetada. Vou citar um exemplo. Os processos são públicos, mas os tribunais podem facilitar ou dificultar o acesso a essas informações, mesmo elas sendo públicas. Isso pra mim sempre foi um risco relevante, mas eu acho que o momento atual é mais favorável porque os próprios tribunais estão entendendo que isso é uma onda tecnológica que beneficia inclusive as atividades deles. À medida que isso acontece lá também, esse risco de canetadas políticas e opinativas sobre o acesso vai sendo mitigado, porque aí você tem sempre a busca pela eficiência, pela produtividade. E os riscos éticos são os riscos que qualquer ferramenta generalista tem, né? E não seria diferente com a Inteligência Artificial. Ferramenta generalista você pode usar para coisas boas e para coisas ruins. Sempre foi e sempre será assim. Gosto de citar o exemplo da faca, que mudou a história da humanidade. Ela processa alimentos, mas também pode ser usada para matar outra pessoa. E nem por isso a gente deixa de usar, deixa de colher os benefícios que são muito maiores do que eventualmente a realização de crimes com esse equipamento tão essencial na vida cotidiana.

3) Quais são as próximas grandes tendências que podemos esperar da união entre IA e Direito?

Entendo que ainda estamos na primeira onda de benefícios e produtos de tecnologia na área jurídica. Acho que é um setor muito carente de tecnologia porque os processos são muito manuais e artesanais. Não significa que a gente vai enfiar tecnologia em tudo, automatizar tudo, mas sim que existem gargalos e pedaços com ineficiências e que carecem de uma maior efetividade. E está havendo uma onda agora, por exemplo, de Law Techs para jurimetria. Pra você ver, a gente não conseguia sequer compilar, de uma forma condensada, informações estratégicas de questões jurídicas. Então, isso mostra como o mato ainda está alto e como há um horizonte ainda a ser explorado. Essa é a primeira onda, porque a viabilidade técnico-científica só surgiu em anos recentes. Quando acontece algo na ciência, você ainda tem muito tempo para inovação virar produto.