BAS

A garantida economia e o caprichoso verde

🎶 Bate forte o tambor… Eu quero tic, tic, tic, tac… 🎶

Hit dos anos 90 do século passado, a música, que projetou nacionalmente e internacionalmente a banda amazônica Carrapicho, de Manaus (AM), ainda ganha corações e mentes por aí. Mas, além do verso no melhor estilo “chiclete” – que gruda com uma facilidade incrível – , o segredo, não só do hit, mas do grupo musical, foi a mistura. Explico.

Entre um “tic, tic, tac” e outro, melodias do forró e do boi bumbá foram mescladas de maneira caprichosa. E para alcançar o estrelato, um clipe musical televisivo recheado de imagens dos ribeirinhos da Amazônia, indígenas, embarcações de grande porte, canoas e lanchas, tendo como pano de fundo o Rio Negro, igapós e igarapés. Ou seja, sucesso garantido.

Caprichoso, Garantido… Sacou, hã, hã?!?

Nota da Redação I: Igapós é uma vegetação típica da Amazônia, que tem como característica estar sempre alagada. E Igarapés é o caminho estreito geralmente utilizado por pequenas embarcações, como canoas.

Mas não é só de ritmos contagiantes ou de grandes eventos, como o Festival de Parintins, com os bois-bumbás Caprichoso e Garantido, que se estabelece a Amazônia do século XXI. Não. Pelo contrário.

Manaus, a capital do Estado, por exemplo, está pronta e disposta a fazer nova mistura. Só que agora no maravilhoso mundo dos números, dos balanços e dos investidores.

Um dos “tic” responde pelo selo “verde”, enquanto outro fica com a “economia”. O “tac” assume o papel de “investidor”, ao passo que o outro “tic” fica responsável pelos “empreendedores”. Ou seja, quem, de fato, tem o conhecimento amazônico na palma da mão.

É justamente aí que entra, batendo o tambor, o Bioeconomy Amazon Summit (BAS). Evento de bioeconomia organizado pela KPTL, em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) – Rede Brasil, o BAS registrou ao redor de mil inscritos e reuniu cerca de 150 startups dos mais diversos setores, com destaque para o Florestal, Alimentos e Bebidas, Agronegócios, Fitofármacos, Cosméticos, Artes e Artesanatos.

Foram dois dias intensos de um evento que está em sua segunda edição e que terminou nesta quinta-feira em Manaus, mas que começou ontem, dia 30 de Julho, no Centro de Convenções Vasco Vasques.

A COP 30 é a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que vai ser realizada em Belém (PA), em novembro próximo. Cidade, inclusive, que o  BAS conhece bem, uma vez que a primeira edição do Summit foi realizada lá, entre 31 de julho e 01 de agosto de 2024.

Nota da Redação II: O BAS tem como marca reunir todo o ecossistema de inovação ligado à bioeconomia, da gestão pública a investidores, passando por startups, organizações não-governamentais, líderes ambientais e a comunidade da região amazônica e Norte do Brasil.

Muito bem, Renato Ramalho, mas chega de blá blá blá e vamos aos fatos. Porque de promessa, essa vida tá cheia. Então, bora aterrizar as teses de investimento? Boooora!

Belterra Agroflorestas

Fundada em 2020, a Belterra Agroflorestas é uma empresa focada em transformar áreas degradadas, especialmente pastagens bovinas de baixa produtividade, em sistemas agroflorestais produtivos e regenerativos. Com apoio inicial do Fundo Vale –  iniciativa de impacto socioambiental criada e mantida pela mineradora brasileira Vale -, a startup opera em dois biomas estratégicos: Amazônia (Pará, Rondônia e Mato Grosso) e Mata Atlântica (Bahia). E tem uma carteira de parcerias rurais contratadas de 4 mil hectares de sistemas agroflorestais, principalmente relacionados ao cacau, à banana e mandioca, distribuídos em diferentes projetos, sob toda sorte de estágios de implantação.

Homem segurando semente. (Foto: Relatório de Impacto Socioambiental Belterra 2020-2024)

A Belterra mudou recentemente seu modelo de negócios: de uma operação verticalizada para um sistema de plataforma de serviços compartilhados, com foco na estruturação de novos projetos agroflorestais. “Essa mudança permite maior escalabilidade, segmentação de riscos e participação de diferentes perfis de investidores”, diz Valmir Ortega, fundador da Belterra.

Na prática, a startup estrutura seus projetos em parceria com pequenos e médios produtores rurais, por meio de contratos de arrendamento ou parceria agrícola, nos quais assume a responsabilidade pelas atividades produtivas, desde o planejamento do uso do solo até a colheita e comercialização dos produtos. “A restauração produtiva por meio de sistemas agroflorestais têm um papel estratégico para o Brasil por aliar recuperação ambiental com inclusão produtiva, principalmente em regiões marcadas pela degradação de pastagens e baixa eficiência no uso da terra”, afirma Ortega.

Genera Bioeconomia

O propósito da Genera, que começou a operar no primeiro semestre de 2024, é muito claro. Com modelo de negócio entre empresas, o famoso B2B, a startup funciona como uma plataforma de investimentos em infraestrutura verde que restaura áreas degradadas na Amazônia, tentando assim dar escala à sociobioeconomia na região. A operação e o projeto-piloto da empresa estão na Fazenda Calema, em Rio Preto da Eva, Amazonas, à uma hora e 40 minutos de Manaus (deu até pra dar uma esticadinha no BAS😊).

Em Rio Preto da Eva, está construindo a infraestrutura central e verticalizada, que inclui um jardim clonal com mais de 100 espécies nativas da Amazônia, priorizando matrizes selecionadas por sua produtividade, precocidade e resistência. Você leu e entendeu corretamente mesmo: é clone que fala.

Nesse processo, a Genera origina tanto ativos tangíveis (insumos florestais não madeireiros) quanto os intangíveis (créditos de carbono de alta integridade e tokens de árvores), produzidos em série e de forma competitiva.

“No fundo, nosso trabalho é transformar áreas degradadas na Amazônia em florestas produtivas e rentáveis. Fazemos isso por meio de um modelo de negócio inovador, que estrutura diferentes instrumentos financeiros para viabilizar um negócio de capital intensivo com ganhos expressivos de escala”, afirma o fundador da startup.

Café Apuí

Lançado pela Amazônia Agroflorestal, o Café Apuí é cultivado em áreas sombreadas da floresta amazônica, gerando frutos maiores e mais adocicados quando comparados a outros cafés. Em outras palavras, um cafézinho bem mais gostosinho, sacou?

Ela explica que, na prática, a empresa implementa sistemas agroflorestais (SAFs) em áreas degradadas no sul do Amazonas, nos quais o café é cultivado ao lado de árvores nativas da Amazônia, como o ingá, o cacau, o jatobá, andiroba, mogno, seringueira, entre outras. Por meio de parceria com o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), a empresa oferece mudas e insumos para o plantio e assistência técnica para as famílias de agricultores familiares. “Isso não só garante uma produção de café de alta qualidade, com sabor único, como também efetivamente promove a regeneração da floresta”, afirma a CEO da Amazônia Agroflorestal.

Não é que a água tá virando café quentinho no bule! Nos últimos três anos, a empresa passou de dois para 19 pessoas na equipe, selou parceria com o Idesam e alcançou 130 famílias de produtores parceiros. Além disso, atingiu a marca de mais de 2 milhões e meio de metros quadrados recuperados com o modelo de café agroflorestal e mais de 100 milhões de metros quadrados de floresta nativa conservados através do projeto de créditos de carbono e pagamento por serviços ambientais. Que belezinha de cafézinho, não é mesmo?!?

Ages Bioactive

Agora, pensou em ciência na floresta, falou em Ages Bioactive. Fundada em 2020, a startup é a primeira empresa do País focada em healthspan – pera aí, eu vou repetir com calma pra você não engasgar: é h-e-a-l-t-h-s-p-a-n, também conhecido na Faria Lima e nas melhores famílias brasileiras como “tempo de vida de saudável.

Pois então, a ideia da Ages é ajudar as pessoas – você inclusive – a lidar melhor com a passagem do tempo, mantendo qualidade de vida por muitos e muitos anos. Para isso, a startup produz compostos naturais bioativos que vêm do bioma amazônico. Esses compostos ajudam a prevenir problemas decorrentes do declínio da saúde.

O laboratório de fármacos da empresa fica no Amapá, onde trabalham cerca de 60 pesquisadores. O restante fica em São Paulo (SP), no Distrito Inova, hub de inovação do Hospital das Clínicas, o HC.

Mas para tudo isso funcionar à luz do microscópio, a Amazônia tem de, precisa, demanda – escolha o verbo – ser preservada. “O bioma amazônico é riquíssimo para a geração de novos fármacos”, afirma Tavares, observando que o fortalecimento da cadeia de bioeconomia é fundamental. “Temos de pensar a Amazônia como um celeiro de oportunidades para geração de novos fármacos”, enfatiza.

Energia e sustentabilidade

A transição energética é algo urgente na luta para frear as mudanças climáticas, colocando a economia no rumo da sustentabilidade e do baixo carbono. E como o Brasil aparece nesta foto? Bom, condições de fazer bonito nós temos. Sol, vento, água e área agricultável, por exemplo… Temos tudo, explica Alfredo Renault, Diretor do Centro de Soluções de Baixo Carbono da Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A transição energética traz muitos desafios tecnológicos. Não só para o desenvolvimento de novos processos, mas também para buscar a viabilidade econômica dos ritos já controlados.

A eletrificação de setores industriais conhecidos como hard-to-abate – quem?!? -, acompanhada do uso de hidrogênio verde em alguns setores e da economia circular, é um caminho que já está sendo trilhado. “Mas esses setores provavelmente deverão introduzir processos de captura de carbono para atingir seus objetivos de descarbonização”, diz Renault. “No transporte temos vários caminhos em implantação: hidrogênio, biocombustíveis, eletrificação, sistemas híbridos. Estamos, na maioria dos casos, na etapa de avanços incrementais de tecnologias conhecidas”.

Nota da Redação III: Hard-to-abate significa setores de difícil descarbonização. Essa é uma expressão usada principalmente no contexto das mudanças climáticas e da transição energética. Refere-se a setores industriais e econômicos nos quais é especialmente difícil reduzir ou eliminar as emissões de gases de efeito estufa (GEE), devido à natureza dos seus processos produtivos, limitações tecnológicas ou altos custos.

Nessa jornada, o equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente é um desafio permanente para o País. E é aí que o bicho pega… Porque se tecnologia, diálogo, órgãos ambientais técnicos e democracia são premissas necessárias na busca deste equilíbrio, a vida real mostra que nem tudo são flores. “A fase de polarização que vivemos, que inclui esse tema, dificulta uma discussão racional, trazendo consequências negativas para a busca do equilíbrio”, analisa Alfredo Renault.

Jornada Amazônia

No ecossistema da bioeconomia, estar em rede é imperativo. Mas é preciso formá-la. É o que faz a Jornada Amazônia, projeto liderado pela Fundação Certi.

Criada em 2018, a iniciativa fomenta startups de impacto socioambiental nos nove estados da Amazônia Legal. E, claro, negócios que mantenham a floresta de pé.

A frente de fomento ao empreendedorismo da iniciativa atua a partir de quatro programas principais, que oferecem apoio em todos os estágios de uma jornada empreendedora: desde o estímulo à cultura de se começar um negócio na região por meio do programa Gênese; a originação de novas operações com o programa Sinapse da Bioeconomia – SinapseBio; o fortalecimento de startups com o programa Sinergia e a evolução e preparação para investimentos com o Sinergia Investimentos. Em 2025, o projeto pretende apresentar números de respeito.  A saber:

  • Mais de 3 mil talentos capacitados a partir do Programa Gênese, que estimula a cultura empreendedora e de inovação,
  • Cerca de 200 novos negócios originados pelo Sinapse da Bioeconomia, programa de pré-incubação que busca fomentar a criação de novos negócios de impacto focados na bioeconomia e na competitividade da floresta,
  • 100 startups em estágio avançado qualificadas pelo Sinergia, programa que corresponde à etapa de evolução e que foca na competitividade dos negócios, promovendo suporte e conexões de alto valor com parceiros tecnológicos, grandes empresas e investidores.
  • 30 startups aceleradas pelo Sinergia Investimentos, programa com foco na captação de investimentos e que combina um mecanismo de investimentos com aceleração de negócios.

“Todas essas iniciativas citadas nesta edição de alguma forma demandam tecnologia. E falo aqui de hardwares, softwares, laboratórios e, principalmente, capital humano. Este é o papel do Venture Capital, este é o papel da KPTL: investir em empresas de base tecnológica que atendam a demanda destas iniciativas. Porque somente assim, com cada vez mais tecnologia, é que vamos dar a devida velocidade na agenda climática, reduzindo custos e proporcionando escala necessária suficiente”, afirma Ramalho.

Sem dúvida, desenvolver negócios na região amazônica é uma jornada. Um caminho de fé no ser humano. Na ciência. Mas fundamentalmente na floresta. Porque o conhecimento emana dali. E ela precisa estar viva. De pé!

“A natureza não tem cópia. Preserve a original!”

Iasmin Boaventura Pedrozo

3 perguntas para…

Denis Minev

Economista formado pela Stanford University, é diretor-presidente da Bemol, maior varejista da Amazônia Ocidental, investidor de fundos e startups e enviado especial da COP-30 em Belém para o setor privado amazônico.

Denis Minev, economista e diretor-presidente da Bemol. (Foto: Divulgação)

1) Com um ambiente geopolítico complexo, quais suas expectativas para a COP-30: o que esperar da conferência?

Espero que se criem as condições para que atividades de cunho sustentável se tornem a melhor escolha para empreendedores na Amazônia. Hoje, por uma série de motivos que vão de financiamento à regulação, de conhecimento à precificação de carbono, não é a melhor escolha. E isso tem consequências socioeconômicas e ambientais.

2) Qual o papel da inovação – seja tecnológica, financeira ou de gestão – no desenvolvimento da bioeconomia, em especial na Amazônia?

Para alguns, a bioeconomia está ligada ao extrativismo primitivo. Nenhuma sociedade prosperou desta forma e nós não seremos os primeiros. Inclusive, através do voto, creio que a maioria dos amazônidas rejeita modelos assim. A bioeconomia precisa ser polinizada com a produtividade que vem do desenvolvimento tecnológico, da ciência e da inovação. A soja é produtiva – se queremos que a bioeconomia seja mais atraente, ela deve ser mais produtiva que as alternativas. É possível.

3) Como empresário que atua na Amazônia, você vivencia os desafios e as oportunidades da região diariamente. Como as empresas que atuam na Amazônia, ou que desejam atuar na região, podem ser as protagonistas na construção dessa economia que mantém a floresta em pé e gera prosperidade?

Essa economia hoje é pequena e frágil. Não é à toa que temos os piores indicadores sociais e degradação ambiental. É preciso encontrar soluções principalmente ligadas à economia do conhecimento. Para isso, é importante entender os problemas da região, suas vocações e oportunidades. Por exemplo, muitas empresas compram insumos amazônicos, mas pouco desenvolvem capital humano na região.  A Amazônia pode ser, por exemplo, fornecedora de mão-de-obra qualificada em diversos segmentos que podemos operar remotamente, inclusive TI. Mas para conhecer e executar, é necessário conectar-se com instituições locais. Existe muito talento parcialmente desenvolvido.