Pantanal

A onça, o fogo, a água e o Pantanal

Os acordes são inconfundíveis. E a melodia também. 🎶 “Oh! Chalana sem querer / Tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas / Vai levando meu amor…”. 🎶

Basta ouvir a música “Chalana”, de Almir Sater, para que a Faria Lima se teletransporte em direção a qualquer planície pantaneira. E o suéter às costas se transforme num coletinho de couro. A calça de grife passe a dar lugar a um jeans já desgastado pela lida diária. E o tênis da moda – on, talvez – rapidamente vire uma bota de couro. Tudo isso a bordo de uma Harley-Davidson… Não, péra, agora montado em um cavalo marchador de panca, cujo nome pode ser Limer.

 

Mas esse paraíso na Terra, emoldurado por um sol a pino, ao som de tuiuiús e esturros de onça-pintada no melhor estilo Juma Marruá – quem viu a novela Pantanal em qualquer época da vida, sabe bem a ‘brabeza’ do bicho -, está em risco. Sob muito risco. E nem se trata de jacarés fingindo lentidão à beira do rio, e mesmo piranhas à espera do sinal “sangue n’água”, ou sucuris à espreita; aqui, é sobre a ação do ‘bicho-homem’ em direção ao meio ambiente.

Porque qualquer movimento nessa região é gigantesco, como bem demonstrou a exposição “Água Pantanal Fogo”, exibida entre março e maio deste ano, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo (SP). A exuberância de uma das maiores extensões úmidas contínuas do mundo, evidenciada na mostra, dá o tom da real dimensão desse lugar de dois mil tipos de plantas e centenas de espécies de animais, que arde em chamas há meses. Uma tragédia tão ou mais terrível que os incêndios de 2020, que destruíram 26% desse bioma.

Post Scriptum: Bioma é um conjunto de vida vegetal e animal, constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação que são próximos e que podem ser identificados em nível regional, com condições de geologia e clima semelhantes e que, historicamente, sofreram os mesmos processos de formação da paisagem, resultando em uma diversidade de flora e fauna própria. (Fonte: IBGE)

Sistema Pantera, gerido pelo Instituto Homem Pantanal, na região do Alto Pantanal. (Créditos: IHP)

Os dados recentes da rede colaborativa MapBiomas – composta por Organizações Não-governamentais (ONGs), universidades e startups – são, portanto, de se sentar no meio fio de qualquer avenida, inclusive da própria Faria Lima, e se perguntar: até quando? Entre janeiro e junho de 2024, o Pantanal teve 468 mil hectares queimados – o equivalente a multiplicação por três da área do município de São Paulo -, sendo 370 mil somente em junho (ou três vezes a extensão da cidade do Rio de Janeiro). Um descalabro.

Ainda segundo a rede colaborativa, uma das regiões mais afetadas no Pantanal, até aqui, foi aquela próxima à Corumbá, no Mato Grosso. Foram 299 mil hectares queimados apenas em junho. Vamos repetir. Inclusive, em caixa alta e em negrito, para que se elimine qualquer erro de interpretação: D-U-Z-E-N-T-O-S e N-O-V-E-N-T-A e N-O-V-E MIL hectares dragados pelas chamas. Ou pouco mais de 440 mil campos de futebol.

Se isso não chocar ninguém, sinceramente, fica difícil imaginar o que poderia provocar indignação quando o assunto é clima, ação do homem e meio ambiente.

Porque o problema no Pantanal não é só o fogo. E se fosse por si só já seria um tremendo b.o.. Mas é também a seca. E pior. Como elas se entrelaçam e se relacionam.

A cantilena é a seguinte. Tudo começa no nível da água, que ano após ano vem caindo. Com essa redução, o bioma sofre.

Ah, agora sim. Todos entendemos o quão perversa é a combinação entre tempo seco, ausência de água e fogo, muito fogo. Uma vez que essa junção faz acontecer a tempestade perfeita. Qual seja? Com a seca, as chamas se alastram sem dó.

Mas tem um detalhe nesse aparente perfeito alinhamento dos astros. É que, segundo especialistas, não há sinais de que o fogo esteja sendo causado por questões naturais, como raios ou uma das sete pragas bíblicas. Longe disso. Na verdade, é a ação do ‘bicho-homem’ com as queimadas, responsável pelos incêndios.

Sem comentários!

Pantanal high tech

Contudo, há esperança. Melhor, esperanças! Sem malabarismos e mágica, mas há caminhos. Porque a preservação do Pantanal envolve diversos aspectos, como proteção de áreas naturais, manejo sustentável da água e gestão eficiente dos recursos hídricos, além de uma ampla estratégia de educação ambiental capaz de despertar a consciência da sociedade para a preservação da água e da diversidade, conforme explica Eduardo Rosa, coordenador do MapBiomas Pantanal (veja na seção 3 perguntas para…).

Ele também lista outros exemplos ligados à tecnologia, como monitoramento e previsão, sensores de umidade do solo e nível da água, satélites e drones para detectar focos de incêndio, imagens em tempo real e modelos de previsão climática. Em resumo, estamos falando de inteligência de dados para municiar as estratégias.

É exatamente aí que a Agrotools, investida da gestora brasileira de fundos de venture capital KPTL, entra nessa história. A companhia, que tem case com o Banco Nacional de Desenvolvimento, Econômico e Social (BNDES) num projeto chamado “Pecuária de Baixo Carbono”, possui parcerias estratégicas com Microsoft e  ESRI, líder de mercado global em software de sistema de informações geográficas (GIS, nas sigla em inglês), inteligência de localização e mapeamento.

Sala de controle da Agrotools, reunindo mapeamento, dados e inteligência de localização. (Créditos: Agrotools)

Empresa de soluções digitais com forte atuação no agronegócio, ela está presente desde abril de 2023 no Pantanal por meio do REDD+ Serra Amolar, projeto desenvolvido pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), localizado na região de mesmo nome que fica entre os estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia.

Pudera. A Agrotools já opera em diversas geografias há anos, com contratos em nível de América Latina (Paraguai, Argentina) e Austrália, e mais recentemente ingressou no Equador, além de manter um escritório nos Estados Unidos.

Ou seja, pavimentado o caminho, o REDD+ passou a ser o primeiro projeto de emissão de créditos de carbono no Pantanal com certificação da Verra, certificadora de créditos de carbono e líder na metodologia REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). Pelo acordo, a Agrotools é a responsável pelo fornecimento de dados de mais de 135 mil hectares, o equivalente a 200 mil campos de futebol.

“Considerando créditos de carbono como incentivos financeiros destinados a recompensar áreas que reduzem emissões de gases de efeito estufa, a tecnologia da Agrotools permite um monitoramento eficaz, garantindo a confiabilidade das estatísticas e prevenindo o desmatamento em uma área crucial para a biodiversidade, habitat de onças-pintadas e outros animais selvagens”, afirma Sérgio Rocha, CEO da Agrotools.

“Como a área a ser observada é vasta, o monitoramento é remoto, utilizando nossa tecnologia e dados espaciais, essenciais para o sucesso do projeto, que será revisado a cada quatro anos. É um projeto grandioso, no qual a Agrotools atua como guardiã remota da sustentabilidade e transparência”, enfatiza Rocha.

O objetivo do REDD+ Serra do Amolar é conservar o Pantanal e reinvestir os recursos obtidos na ampliação da Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar. Criada em 2008 pelo IHP, em parceria com outras entidades, essa rede é um corredor natural de conservação, abrigando várias espécies em extinção e protegendo contra o desmatamento não planejado e incêndios.

“A conservação dessa área é vital para o Pantanal e representa uma oportunidade de desenvolvimento sustentável, beneficiando as comunidades locais e alinhando-se com a agenda ESG”, afirma o CEO da Agrotools, que atualmente analisa mais de 4,5 milhões de territórios rurais e monitora R$ 15 bilhões em commodities no país.

Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) Acurizal Penha, na Serra do Amolar.

(Créditos: Viviane Amorim/Divulgação/IHP)

A ideia do REDD+ Serra do Amolar foi buscar alternativas para que não só sejam resolvidos os desafios financeiros das ações de conservação, mas também mostrar que o Pantanal tem ativos importantes, segundo Ângelo Rebelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro.

“Não só com o crédito de carbono, mas também com o projeto inédito no Brasil do crédito de biodiversidade. Essas ferramentas acabam contribuindo para fechar uma conta de alto custo, que é o chamado Custo Pantanal, sem estrada, sem energia elétrica, sem comunicação”; diz Rabelo.

Nesse contexto, as novas ferramentas do século XXI cumprem um papel destacado. “A tecnologia deve ser entendida como uma forma de otimizar e reduzir esse Custo Pantanal”, afirma Rabelo.

Normalmente, a Prosas cobra das empresas que desejam fazer esse tipo de captação. Para ajudar o Rio Grande do Sul, porém, a companhia abriu de maneira pública o banco de projetos que já receberam aval para captar recursos via leis de incentivo.

Como se vê, inovação e inteligência de dados para gerar negócios sustentáveis e proteger o Pantanal é o que não falta. Inclusive, a natureza agradece. Seja por meio de um esturro de onça ou na figura do ‘Véio do Rio’, o guardião espiritual do folhetim Pantanal. E, de novo, tanto faz se você viu a primeira versão ou remake, porque o ‘Véio do Rio’ sempre esteve lá, assim como a natureza. Aliás, desde sempre.

“You must be the change you wish to see in the world.”

Mahatma Ghandi

3 perguntas para…

Eduardo Rosa

Engenheiro agrônomo, mestre em Geografia Humana, especialista em Geoprocessamento e coordenador do MapBiomas Pantanal.

1) O estudo MapBiomas Água aponta que o Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985, sendo que o ano de 2023 foi 50% mais seco que 2018, época da última grande cheia na localidade. O que tem provocado essa diminuição constante do nível das águas no Pantanal?

A questão climática está envolvida no que diz respeito à precipitação que cai na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP). A planície enfrenta as consequências dessas variações climáticas. O Pantanal já passou por secas como essas há 60 anos, mas sob um contexto climático diferente, assim como um contexto, cobertura e uso da terra também diferentes, principalmente no planalto da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. No planalto da BAP, foram 5,4 milhões de áreas de vegetação natural substituídas por locais de pastagem e agricultura que ocupam inclusive áreas de preservação permanente na beira de rios e nascentes. Essa mudança na cobertura do solo torna a BAP menos resiliente nessas épocas de estiagem.

2) Quais são os principais impactos econômicos, sociais e ecológicos que essa grave redução hídrica pode provocar?

Entre os impactos econômicos podemos citar a perda de produção na pecuária, pois a escassez de água pode reduzir a produtividade das culturas e a disponibilidade de pastagem para o gado. Outro ponto são os custos na contenção de incêndios. A seca aumenta a vulnerabilidade ao fogo, que pode causar danos significativos às propriedades rurais, infraestrutura e vegetação. Os custos para combater incêndios e recuperar áreas afetadas são altos. Além disso, também tem a redução da pesca. A diminuição dos corpos d’água afeta diretamente essa que é uma atividade econômica vital para muitas comunidades locais.

No aspecto social, a redução na produção agrícola e pesqueira pode levar à insegurança alimentar para as comunidades locais que dependem desses recursos para sua alimentação diária, podendo resultar no deslocamento das comunidades.

Na parte ecológica, a perda de superfície de água no Pantanal tem um impacto na fauna e na flora, com perda de biodiversidade e redução de habitat, pois muitas espécies de plantas e animais dependem diretamente dos ambientes aquáticos. A redução de água também pode diminuir a disponibilidade de recursos alimentares, afetando a cadeia alimentar local.

3) De que maneira a inovação e a tecnologia podem ser utilizadas em estratégias de adaptação de gestão hídrica no Pantanal? Pode dar alguns exemplos?

A inovação e a tecnologia podem contribuir de diferentes maneiras. Por exemplo:

  • Podem ser usadas no monitoramento e na previsão, com sensores de umidade do solo e nível de água;
  • Satélites e drones para detectar focos de incêndio e acompanhar a expansão de áreas;
  • Imagens em tempo real;
  • Modelos de previsão climática: prevenção de eventos de seca e mudanças nos padrões de precipitação;
  • Gestão eficiente de recursos hídricos;
  • Manejo sustentável da água, com a implementação de práticas agrícolas e pecuárias que utilizem água de forma mais eficiente e sustentável;
  • Proteção de áreas naturais, estabelecimento e manutenção de áreas protegidas para conservar habitats críticos.
  • Educação Ambiental: estímulo à conscientização sobre a importância da conservação da água e da biodiversidade.