Quando você joga cartas, já notou que em muitos baralhos o Ás de espadas costuma trazer um desenho diferente dos outros? A razão disso? Impostos.
Baralhos de cartas existem desde 1300, mas foi à medida que surgiram inovações na impressão, que a sua capacidade de produção se expandiu e tornaram-se uma commodity no Reino Unido. Com isso, a Coroa viu a oportunidade de lucrar em cima, oficializando um imposto sobre os baralhos. No começo, o governo vendia um papel que provava o pagamento do tributo, que era então utilizado para embalar as cartas. Mas como as pessoas começaram a jogar fora as embalagens, o governo começou a adicionar um carimbo à carta do topo do baralho, que era tradicionalmente o Ás de espadas. Este selo não exigia pagamento adicional; simplesmente agia como um recibo.
E isso, por sua vez, causou um novo problema, visto que você poderia obter um Ás carimbado sem ter comprado a embalagem de papel tributada. Os fabricantes de cartões começaram a evitar o imposto. Em 1765, o governo surgiu com uma solução draconiana: Tornou a produção do Ás de espadas uma atividade exclusivamente estatal, imprimindo-o já com o selo indicando o pagamento do imposto. Imprimir o Ás ilegalmente se tornou uma ofensa capital, ou seja, punível com pena de morte (E em um caso, isso foi realmente aplicado). Em 1862, essa proibição foi suspensa, mas a tradição do Ás diferenciado já estava cimentada nas experiências dos jogadores e os fabricantes dos baralhos viram uma oportunidade de usar esse espaço para branding da marca. Já o imposto em si, durou até 1960, quando o parlamento decidiu que dava mais trabalho fiscalizar do que os seus benefícios.
No mês passado, o piloto italiano Dario Costa, a bordo de um avião customizado da Red Bull, bateu um recorde mundial ao voar através de um túnel de 1730 metros. Mas suas chances de sucesso eram apenas teóricas. Ninguém jamais havia pilotado um avião em um túnel antes. E não tinha como fazer um teste. Enquanto a proeza durou apenas 43 segundos, uma equipe de 40 pessoas levou mais de um ano para se preparar. E o uso de tecnologia foi essencial para o sucesso do projeto.
A principal entre várias tecnologias utilizadas foi uma simulação que foi criada medindo com precisão as dimensões do túnel e fazendo uma varredura em 3D da aeronave de Dario, que mostrou exatamente como ele precisava voar e em que timing.
Quando fizeram as simulações, o computador mostrou que seriam necessárias reações de menos de 250 milissegundos no comando do avião. Dario não estava pronto para isso. Começou uma série de exercícios para treinar suas habilidades neurocognitivas: não só a capacidade de responder aos estímulos de forma incrivelmente rápida, mas a precisão de fazer isso de forma coordenada entre os pés e as mãos. Uma pequena hesitação a 250 km/h dentro de um túnel apertado… Poderia custar a sua vida.
Para ajudar a tornar o treino o mais real possível, a simulação combinava uma câmera 3D em cima de um carro dirigido na mesma velocidade que Dario voaria, e um óculos de VR que permitia que o Dario tivesse uma sensação muito similar à que ele veria no dia.
Mas por que fazer isso? A mesma pergunta foi feita para o John F Kennedy, que tornou a resposta um dos discursos mais memoráveis do século passado “Mas, por que, dizem alguns, a lua? Por que escolher isso como nosso objetivo? E eles podem perguntar por que escalar a montanha mais alta? Por que, 35 anos atrás, voar cruzando o Atlântico? Nós escolhemos ir à lua. Escolhemos ir à lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque sejam fáceis, mas porque são difíceis, porque esse objetivo servirá para organizar e medir o melhor de nossas energias e habilidades, porque esse desafio é um que estamos dispostos a aceitar, que não queremos adiar e que pretendemos ganhar.”
E em um trecho menos conhecido desse mesmo discurso, feito em 1961, Kennedy deixava claras as dificuldades, intrínsecas a qualquer desafio inédito ao homem “Enviaremos à lua, a 240.000 milhas de distância da estação de controle em Houston, um foguete com mais de 300 pés de altura, feito de novas ligas metálicas, algumas das quais ainda não foram inventadas, capaz de suportar calor e tensões várias vezes maiores do que jamais se experimentou, construído com uma precisão maior que a do que o melhor relógio, transportando todo o equipamento necessário para propulsão, orientação, controle, comunicação, alimentação e sobrevivência, em uma missão pioneira para um desconhecido corpo celeste. E, depois, vamos devolvê-lo com segurança à terra, reentrando na atmosfera a velocidades superiores a 40.000 milhas por hora, sofrendo o calor de cerca de metade da temperatura do sol. E faremos tudo isso, e faremos certo, e faremos antes que esta década termine – então devemos ser ousados.”
Como dizia Marshall McLuhan “Primeiro construímos as ferramentas, depois eles nos constroem.” A tecnologia redefine radicalmente os nossos limites. E os humanos, com toda a ousadia e criatividade, constantemente colocam essa equação a fogo, demonstrando superação em todos os campos possíveis. Mas onde devemos concentrar os nossos esforços? Enquanto alguns bilionários da atualidade gastam bilhões financiando uma versão 2.0 da visão de Kennedy, outros a criticam. Dizem que esses esforços e capital deveriam ser alocados na Terra para enfrentar os nossos problemas.
Uma única mudança de tecnologia transformadora muitas vezes pode desencadear novas eras de modernização, seguida por uma enxurrada de inovações complementares. Em 1854, quando Elisha Otis demonstrou o elevador de segurança, o público não conseguia prever seu impacto na arquitetura e no design da cidade. Mas cerca de 20 anos depois, todos os edifícios de vários andares em Nova York, Boston e Chicago foram construídos em torno de um poço de elevador central.
Hoje, o desenvolvimento de foguetes reutilizáveis pode proporcionar um ponto de inflexão semelhante. Assim como foi necessária mais inovação na construção de elevadores antes que os arranha-céus de hoje pudessem pontilhar o horizonte, as oportunidades no espaço também amadureceram por causa do acesso e dos custos de lançamento decrescentes. Atualmente, o custo de lançamento de um satélite caiu de US$200 milhões para cerca de US$60 milhões, via foguetes reutilizáveis, com uma queda potencial para US$5 milhões. A visão desses bilionários é de que eles estão criando a infraestrutura para que se crie soluções em cima disso.
A demanda por dados está crescendo a uma taxa exponencial, enquanto o custo de acesso ao espaço (e, por extensão, a dados) está caindo drasticamente. Talvez a maior oportunidade venha de fornecer acesso à Internet para partes negligenciadas do mundo. Mas também vai haver aumento da demanda por largura de banda de carros autônomos, a Internet das coisas, inteligência artificial, realidade virtual e vídeo.
Além das oportunidades geradas pela Internet de banda larga via satélite, as novas fronteiras em foguetes oferecem algumas possibilidades tentadoras. Os pacotes hoje entregues por avião ou caminhão poderiam ser entregues mais rapidamente por foguete. Talvez a viagem espacial privada pudesse se tornar comercialmente disponível. Equipamentos de mineração poderiam ser enviados a asteroides para extrair minerais – tudo isso possível, teoricamente, com os avanços recentes na construção de foguetes. A Nasa estima que existam 800 mil asteroides no nosso sistema solar, que contêm diversos metais preciosos como ouro e platina. Desses, pelo menos 16 mil estão relativamente perto da Terra. Em apenas 1 desses asteroides, chamado de 16 psyche, estima-se que existam 700 quintilhões de dólares em materiais valiosos. Ou o equivalente a 35 milhões de vezes o PIB dos EUA.
Em uma entrevista, Bezos contou um pouco da sua visão: “Enviamos coisas para o espaço, mas todas são feitas na Terra. Eventualmente, será muito mais barato e simples fazer coisas realmente complicadas, como microprocessadores, no espaço e, em seguida, enviar esses objetos manufaturados altamente complexos de volta à terra, para que não tenhamos as grandes fábricas e indústrias geradoras de poluição que fazem essas coisas agora na Terra.” Em outra entrevista, foi ainda mais ousado: “Eu gostaria de ver 1 trilhão de humanos no sistema solar. Não podemos ter isso na Terra, mas podemos ter se expandirmos para o sistema solar.” Ele acredita que enquanto qualquer um pode criar o próximo Facebook da sua garagem, esse tipo de negócio envolve muito investimento e, portanto, é algo que precisa recair sobre quem tem muito capital e visão de longo prazo.
E qual o benefício potencial para a sociedade de se voar em um avião por um túnel? É esse o ponto com a inovação. Suas consequências são muitas vezes incertas. A Pfizer não sabia que a pesquisa em cima de um remédio cardíaco iria resultar no primeiro remédio contra a impotência, o Viagra. Em uma palestra no Web Summit alguns anos atrás, presenciei uma empresa utilizando tecnologias originalmente desenvolvidas para os veículos exploradores de Marte, agora sendo aplicadas a roupas para humanos, com um potencial de isolamento térmico fora de série.
Alguns anos atrás a Garmin era listada como uma das empresas que iria eventualmente sumir. O seu principal produto, um sistema de navegação automotivo estava fatalmente ameaçado por novas soluções, como o Waze. Foi então que criaram a ousada iniciativa apelidada de Area 51, uma espécie de incubadora de startups com o mandato de inovar. Lá, criaram uma série de novos produtos que vão desde computadores para mergulhadores, relógios para crianças em parceria com a Disney, relógios para corredores (que você pode ver muito facilmente no condado da Faria Lima), entre outros. Hoje, praticamente toda a sua receita vem dos produtos criados dentro da Area 51…e o faturamento bateu recordes históricos.
Talvez o tempo e os recursos utilizados na proeza da RedBull não tenham nenhuma consequência prática. Mas tudo isso faz parte da incansável e necessária combinação de avanços tecnológicos com a criatividade humana. É o que nos move para frente. É o que nos inspira a quebrar cada vez mais barreiras. Portanto, seja você um esportista, uma corporação, um bilionário que sonha em ir para o espaço, a chave de tudo está em inovar. Como diz o logo da KPTL: “Innovation creating the future.”