Inspeção de rochas de minério

Na “rodovia” do futuro, minerar é parada obrigatória

Na news do mês passado, abrimos o texto de um jeito diferente – ÚNICO, tá lembrado? Pedimos pra você sacar o celular do bolso, abrir o Spotify e ouvir uma playlist de…tecnobrega. Pois bem. Manter este nível de ineditismo e animação não vai ser fácil, por isso, hoje, vamos complicar esse negócio: você se lembra das aulas de química do ensino médio (ou “do colegial”, para os mais tiozões)? Sinceramente, coloco a minha mão no fogo se você souber disso. 😉… Então, vamos lá!

Na parte inferior daquela tabela coloridinha que você tanto “adorava” tinham uns minérios de nomes muito loucos: escândio, ítrio, lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, hólmio, érbio, túlio, itérbio e lutécio.

Pode parecer tudo alcunha de remédio, só que não é. Pelo contrário. São os chamados Elementos de Terras Raras (ETRs), que recebem esse nome por serem de difícil extração e terem características como maleabilidade, magnetismo intenso e alta capacidade de absorção e emissão, segundo explica o relatório “O papel dos minerais no processo de transição energética”, elaborado pela consultoria KPMG em 2023.

E por que estamos falando disso? Porque esses são alguns dos metais que estão no centro do debate do mercado global por conta da transição energética. Os metais de terras raras são considerados minerais estratégicos, segundo o Ministério de Minas e Energia do Brasil, por serem necessários, por exemplo, para a fabricação de turbinas eólicas e motores de carros híbridos, além de também serem utilizados na produção de supercondutores, lâmpadas de LED e lasers.

Tabela da direita: Minerais para carros elétricos x veículos convencionais. (Fonte: IEA – International Energy Agency)

Mas não apenas eles. Lítio, níquel e cobalto também são componentes essenciais das baterias, como os que fazem mover os carros oilless – não resisti!

“A transição de combustíveis fósseis para fontes de energia limpa dependerá de minerais críticos de transição energética. Minerais – como cobre, lítio, níquel, cobalto – são componentes essenciais em muitas das tecnologias de energia limpa de rápido crescimento de hoje, de turbinas eólicas e painéis solares a veículos elétricos”, diz a Organização das Nações Unidas (ONU) em um documento sobre minerais críticos.

 

Ainda de acordo com a ONU, o consumo desses minerais pode aumentar seis vezes até 2050, com seu valor de mercado atingindo US$ 400 bilhões, excedendo o valor de todo o carvão extraído em 2020. Para atingir as metas do Acordo de Paris, mais de três bilhões de toneladas de minerais e metais de transição energética são necessários para implantar energia eólica, solar e armazenamento de energia.

Por aí já podemos ver a importância estratégica de um setor que está na base da Revolução Industrial e que agora, no século 21, também se mostra essencial para um mundo que busca a transição energética.

Sede da ONU em Nova York, EUA.

Para dar conta do recado, o setor mineral vive atualmente uma intensa transformação socioambiental, revendo processos, visões, modos de atuar e encarar o seu papel em uma sociedade que cobra transparência, ética e responsabilidade social de todas as áreas da economia. E nessa missão, esse segmento tem se servido de dois instrumentos poderosos: a comunicação e a inovação.

No primeiro caso, a comunicação responde à busca da Mineração por se mostrar mais aberta e transparente, tentando dialogar mais de perto com a sociedade. Inclusive, nos últimos meses, o setor intensificou as ações para melhorar sua imagem, mostrando que está presente no dia a dia das pessoas e que vem passando por uma transformação rumo à sustentabilidade. Só para citar alguns exemplos, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) e as mineradoras Vale e a multinacional norueguesa Hydro lançaram campanhas institucionais em TVs, rádios, internet e até mobiliário urbano. Em linhas gerais, o conceito das ações foi mostrar que a mineração está presente no dia a dia das pessoas, dos materiais usados para equipamentos esportivos aos carros e ônibus, instrumentos musicais, eletrodomésticos e eletrônicos.

“A nova campanha publicitária do IBRAM tem o objetivo de aproximar mais o setor da sociedade”, diz o IBRAM em seu site a respeito da campanha, lançada pela entidade em julho. “Acompanhando as mudanças em um mundo cada vez mais conectado, compreendemos que precisamos demonstrar toda nossa abertura, dando visibilidade adequada para as importantes transformações e inovações que temos conduzido até aqui e, também, os aprendizados que temos adquirido”, explica.

No segundo, é a mineração intensificando sua busca por inovação para dar conta dos novos desafios que se apresentam, como o desenvolvimento de soluções sustentáveis e com tecnologias de ponta, como Inteligência Artificial, Deep Learning, carros autônomos, cães robóticos, drone e até detonação por wi-fi.

Mining techs em ação

Fundada em 2015, ela desenvolveu um sistema que extrai dados de imagens usando visão computacional em tempo real, com uso de IA e Deep Learning nesse processo. “Monitoramos mais de 40 ativos de mineração, como alimentador de sapatas, correias transportadoras, carro de grelha, filtros, vagões e escavadeiras”, diz Roberto Fernandino, CEO da SVA.

A solução tem um papel importante numa área crítica para a mineração: a segurança. “Hoje, monitoramos mais de uma centena de barragens das maiores mineradoras do Brasil usando a detecção precoce de movimentação de taludes”, afirma. “Isso gera eventos em tempo real nas centrais de monitoramento para acionamento de sirenes de evacuação dentro das áreas de auto salvamento”, diz o CEO da SVA Tech, que tem 51 funcionários, 30% deles na área de Pesquisa e Desenvolvimento.

Ah… Mas o que é talude? Pegue a visão: talude, na siderurgia, é uma espécie de fortificação que escora para cima ou para baixo uma construção. É quase um alinhamento da base da obra.

“A nossa solução para a parte de previsão de inundações é aplicada hoje em 35 municípios, mas dentro das áreas de drenagem desses 35 municípios, muitos outros são monitorados e têm informações de nossas soluções”, diz o Founder e CEO, Henrique Rocha. “Os mesmos resultados que geramos para o setor elétrico na questão de antecipação a eventos extremos, com diagnósticos e ações estruturantes para mitigar esses danos, também funcionam para a mineração”, acrescenta.

“Recentemente, um de nossos maiores clientes conseguiu transformar cerca de 170 mil toneladas de seus resíduos em materiais reutilizáveis, gerando mais de R$ 500 mil de faturamento”, afirma Athos Silva, diretor-executivo da Geeco.

Com uma visão holística, a empresa se propõe a atuar não apenas com aspectos técnicos, mas também logísticos, legais e de negócios. Para Silva, a inovação é uma questão primordial nesse processo. “A inovação é fundamental para tornar a mineração mais sustentável. Precisamos não só explorar novas ideias e tecnologias para reduzir, reciclar e reutilizar, mas principalmente obter êxito em algumas dessas explorações”, diz.

Gigantes da inovação

Se tem startups nas paradas de sucesso, com certeza também tem gigantes à procura de pepitas de ouro da inovação no fundo do vale. Alguém aí falou em Vale? Sim, ela mesma. A companhia criou em 2022 o seu próprio veículo de Corporate Venture Capital (CVC), o Vale Ventures, para investir em startups com foco em soluções sustentáveis para a mineração. Com verba aprovada de US$ 100 milhões, o alvo são quatro áreas relacionadas à mineração sustentável:

  • Descarbonização na cadeia de mineração.
  • Mineração sem resíduo.
  • Metais de transição energética.
  • Mineração do futuro.

Até agora, já foram anunciados três investimentos em startups:

  • Boston Metal, em 2021, para fomentar uma tecnologia que reduz óxidos metálicos, possibilitando a transformação do minério de ferro para a produção de aço com emissão zero de CO2. O aporte foi de US$ 6 milhões.
  • Allonia, em 2023, de biologia transformacional, com sede em Boston, nos Estados Unidos. A Vale Ventures participou da extensão do aumento de capital Série A da Allonnia – que alcançou o total de US$ 30 milhões – adquirindo uma fatia minoritária desse valor.
  • Mantel, em 2024, uma startup com sede em Boston responsável por uma solução de captura de carbono direto de fontes industriais de baixo custo.

Outra mineradora que montou o seu próprio CVC é a ArcelorMittal. O Açolab Ventures, fundo de R$ 110 milhões criado em 2021, está focado em startups da América Latina em fase seed e Série A, com soluções relacionadas à construção civil, experiência do cliente, matérias-primas, logística, energias renováveis e eficiência ambiental, entre outras. Desde o seu lançamento, o fundo já analisou mais de 1,8 mil startups e investiu em seis, em setores variados: construção civil, imobiliário, Indústria 4.0, energia e gestão de resíduos.

Além do fundo, a companhia também possui um laboratório de inovação aberta para a indústria do aço, o Açolab. Criado há seis anos e instalado em Belo Horizonte (MG), firmou mais de 25 mil conexões, incluindo startups, universidades, fundos de investimentos, embaixadas, aceleradoras, hubs de inovação, entre outros parceiros no Brasil e no exterior.  “O Açolab coordena os processos de inovação aberta, desenvolvimento de novos negócios e investimento em startups, ajudando a co-criar soluções inovadoras que gerem valor para a empresa e para a sociedade”, afirma Carazolli.

Acho, só acho, que agora ficou claro como aquelas siglas da tabela periódica das aulinhas de química têm sido úteis nos dias de hoje. Até porque essa história de inovação com sustentabilidade reluz como o próprio metal. Tanto que só os investimentos em energia limpa por parte parte dos minerais estratégicos, como nióbio e lítio, por exemplo, deverão somar US$ 17,2 bilhões até 2028. Sabe o que isso significa? Muita coisa. Primeiro, porque é um aumento de quase 90% em relação ao período de 2023 a 2027.  E depois, porque só reafirma o papel da mineração no desenvolvimento da humanidade. A mineração é tech, e tech é pop, então, a mineração, não tem jeito, vai continuar sendo pop. Afinal, ela está aí desde os primórdios da revolução industrial.

“Creativity is intelligence having fun”

Albert Einstein

3 perguntas para…

Raul Jungmann

Diretor-Presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) desde março de 2022, foi ministro de Estado em quatro gestões, nas pastas da Política Fundiária (1996-1999), do Desenvolvimento Agrário (1999-2002), da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018-2019). Também foi deputado federal por três mandatos e presidiu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

(Foto: Divulgação)

1) O IBRAM expressa que seu propósito é mobilizar o setor e envolver governo e sociedade para construir, juntos, a nova mineração. Quais são as bases e os princípios desta nova mineração?

O IBRAM está comprometido com a construção de uma nova mineração que se fundamenta em princípios de inovação, sustentabilidade e responsabilidade social. Essa abordagem inclui o fortalecimento das relações entre mineradoras, seus profissionais, fornecedores, governo e sociedade, promovendo um diálogo contínuo com diversos stakeholders. A inovação e a adoção de boas práticas são centrais para o IBRAM, que incentiva a disseminação de conhecimento e a implementação de novas tecnologias no setor mineral. A nova mineração defendida pela organização está alinhada aos princípios de sustentabilidade e responsabilidade social, com um foco claro em práticas de ESG (meio ambiente, responsabilidade social e governança) em todas as operações. E a ética e a transparência são valores fundamentais para o IBRAM, que busca manter relacionamentos claros e íntegros com todas as partes envolvidas. A abordagem da nova mineração também é inclusiva e voltada para o desenvolvimento socioeconômico, promovendo a participação de diversas partes interessadas e engajando-se em iniciativas que visam melhorar a qualidade de vida das comunidades.

2) Na agenda corporativa atual, itens como ESG e transição energética estão entre os mais valorizados. Qual a visão do IBRAM sobre esses temas e o que o setor tem feito para avançar com essas agendas?

O IBRAM reconhece a importância crescente dos temas para o setor mineral e para a sociedade como um todo. Eles refletem a necessidade de uma abordagem mais sustentável e responsável na mineração, alinhada às expectativas globais e nacionais. A entidade tem promovido diversas iniciativas para garantir que as práticas das empresas do setor estejam alinhadas aos princípios ESG. Inclusive o Instituto e as mineradoras associadas estruturaram a Agenda ESG da Mineração do Brasil, que orienta as ações setoriais, envolvendo áreas cruciais como segurança operacional, impacto ambiental, desenvolvimento local, diversidade e inovação, entre outras. Esse documento não apenas define diretrizes claras para as práticas da indústria, mas também fortalece sua competitividade global ao garantir operações responsáveis e transparentes. O compromisso do setor mineral com a mineração do futuro não apenas visa atender às demandas atuais, mas também a construir um legado de confiança e desenvolvimento sustentável para as gerações futuras. Em relação à transição energética, o setor mineral desempenha um papel crucial, já que muitos dos minerais e metais extraídos são essenciais para a implementação de tecnologias de energia limpa, como baterias de veículos elétricos e sistemas de energia renovável. O IBRAM tem trabalhado na publicidade deste tema, tão fundamental para o desenvolvimento do Brasil e do mundo.

3) A transição para economias de baixo carbono e o desenvolvimento tecnológico requerem minerais críticos. Na avaliação da IBRAM, quais os desafios e as oportunidades para o Brasil nesse contexto?

A transição energética é um passaporte para o futuro em que o Brasil não pode se dar o luxo de dispensar. Não existe possibilidade de uma transição para uma economia de baixo carbono sem os chamados ‘minerais críticos’, como lítio, nióbio, terras-raras, cobre, tântalo, entre outros. Esses minérios são insumos para desenvolver tecnologias e equipamentos voltados à transição energética. O Brasil tem uma janela de oportunidades nesta área e isso favorece um ambiente de investimentos e financiamentos para a pesquisa mineral. Entretanto, entraves regulatórios nos âmbitos ambiental, tributário e fiscal para a mineração carecem de ações mais abrangentes, tais como a desburocratização dos licenciamentos, a produção e divulgação de informações geológicas de qualidade, as compensações fiscais para investimentos de risco em exploração e produção, e os incentivos ao empreendedorismo no setor, entre outras.