Os líquens são associações simbióticas entre algas verdes e fungos ou entre cianobactérias e fungos. Quando o livro The Lichen Symbiosis foi lançado em 1993, ele ajudou a disruptar a indústria de livros e o varejo no geral para sempre. Ao mesmo passo que esse livro tinha enorme dificuldades de alcançar seu lugar no New York Times’ bestseller, uma ainda pequena companhia chamada Amazon também tinha dificuldades de crescer. Com um modelo de negócios em que comprava livros de atacadistas, ela sofria uma barreira de pedidos mínimos de 10 livros. Para atender pedidos menores, tentou oferecer o pagamento de uma multa, mas não tinha jeito, os atacadistas insistiam no pedido mínimo. Foi aí que Jeff Bezos achou uma brecha, explicado pelo próprio em uma entrevista em 1998: “Acontece que você só precisava fazer um pedido de 10 livros; você não precisava comprar 10 livros. Encontramos um livro obscuro sobre líquens que nenhum de nossos atacadistas realmente carregava. Assim, sempre que queríamos encomendar um livro, pedíamos o livro que queríamos e nove exemplares desse livro de líquen. Eles entregariam o que queríamos, junto com um pedido de desculpas por não ter conseguido atender os nove exemplares do pedido do livro de líquens.” Atualmente, você consegue comprar um exemplar desse livro na Amazon. E os atacadistas perceberam que a relação com a Amazon não foi tão simbiótica quanto esperavam. O inverno chegou no Brasil. Coletinhos com logos saem das tocas e o fenômeno beach tennis mostra resiliência ao clima. Mas tudo que se parece falar é que um outro tipo de inverno também chegou no mundo de Venture Capital. Em tempos de alta de juros e esfriamento das economias, o volume de investimentos diminui e os empreendedores se preparam para o pior. Coisas que pareciam detalhes nos momentos de abundância, como modelos de negócio rentáveis e empresas lucrativas de repente viraram a palavra da vez. E como já dizia o Warren Buffett, é apenas quando a maré baixa que vemos quem estava nadando pelado. Mas não se preocupe, vamos deixar o pessimismo de demissões em massa, downrounds, término de operações e descontinuamento de produtos para os portais de notícias. Já temos demais disso. Hoje eu quero falar de quem nunca nada pelado. Aqueles que estão sempre muito bem-vestidos com o short ou biquini da lucratividade. E o poder disso. Para isso, voltamos ao melhor professor de todos, o Oráculo de Omaha Warren Buffett e um de seus investimentos prediletos: See’s Candies. Em tempos que se valoriza investimentos chamativos e de rápido crescimento, a história da See’s nos lembra do poder do que chamamos aqui na KPTL de “Ativo Único” e como isso nem sempre é fácil de se perceber. |
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Mary See nasceu em 1854 e durante décadas passou incontáveis horas na cozinha aperfeiçoando a sua paixão de cozinhar doces. Foi apenas em 1921 que junto de um de seus filhos, abriu a primeira loja, oferecendo uma variedade de chocolates. Desde o começo, apostaram em pequenos lotes, com ingredientes de primeira. Seu lema era “Qualidade sem compromisso.” Durante a década de 1920, o negócio ia bem e expandiram para 12 lojas. Os primeiros grandes testes vieram com a Crise de 29 e a Segunda Guerra Mundial. Em épocas que alguns de seus principais insumos como manteiga e açúcar eram fortemente racionalizados, a empresa precisou escolher entre optar por ingredientes inferiores e manter os volumes de venda ou não abrir mão da qualidade e fazer lotes ainda menores, diminuindo as vendas. Eles resolveram seguir o seu lema e fechavam as lojas sempre que acabava o estoque. A estratégia funcionou e a empresa continuou a sua expansão, chegando a cerca de 160 lojas em 1970. Nesse período, a família, encabeçada pela 2ª e 3ª geração, queria uma saída para o negócio e foi aí que entrou o Oráculo de Omaha. No início, a filosofia de investimento de Buffett estava enraizada no value investing, a arte de caçar e comprar empresas subvalorizadas ou negligenciadas por Wall Street. Mas quando Buffett conheceu Charlie Munger, que mais tarde se tornou seu sócio na Berkshire Hathaway, sua mentalidade mudou de investir em grandes pechinchas para investir em grandes negócios. Munger convenceu Buffett de que valia a pena pagar um prêmio por empresas cujo valor principal seria ganho no futuro. Quando recebeu o “pitch deck” da See’s, Buffett não se animou muito. Era uma empresa que faturava US$ 30 milhões com Lucro Líquido de US$ 2 milhões. Sua primeira reação foi ceticismo ao mercado de doces. Mas, ao pesquisar a See’s, Buffett percebeu que o valor dos intangíveis da empresa – coisas como sua marca e fidelidade do cliente – superava em muito os números no papel. Ele então comprou a See’s por US$ 25 milhões, pagando mais de 6x Lucro. Foi a maior compra de Buffett até aquele momento e representou o primeiro investimento dentro da nova mentalidade de “pagar preços mais altos por melhores negócios”. |
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Se fossem os tempos de hoje, a primeira reação de um do investidor Venture Capitalist seria colocar gasolina no tanque e escalar rapidamente. Vamos “triplo triplo duplo duplo duplo esse negócio”. Roubar as melhores cabeças das consultorias, mercado financeiro e indústria e atraí-los com a promessa de uma valorização intensa dos stocks options que estão recebendo. Começar modelos de franquia, expandir internacionalmente, montar lojas flagship, patrocinar o beach tennis, trazer o Rodrigo Hilbert para cozinhar um chocolate em uma live no instagram da marca e por aí vai. É claro que, uma vez que você baixasse o App da See’s para usar o programa de rewards e utilizar a wallet para pagar, iriam também entrar forte com produtos financeiros. E juntando todo esse histórico detalhado de consumo de chocolate de cada pessoa, os algoritmos de machine learning para predição de sinistralidade do seguro de vida by See’s seriam fantásticos. Mas Buffett foi por outro caminho. Na carta que enviou ao novo CEO, advertiu a nunca sacrificar a qualidade pelo lucro. Ele alertou que a empresa não deve tentar escalar muito rapidamente e, em vez disso, deve continuar a produzir os chocolates localmente, em “quantidades limitadas”. Na sua visão, “Há uma certa mística ligada a produtos com singularidade geográfica”, enfatizando o valor da marca. “Talvez as uvas de um pequeno vinhedo de 80 acres na França sejam realmente as melhores do mundo, mas sempre desconfiei de que 99% disso está no storytelling e cerca de 1% está na bebida.” Nos próximos 10 anos, a See’s expandiu de 167 para 214 lojas – uma taxa de crescimento extremamente modesta de cerca de 2% ao ano. Da mesma forma, o volume total de doces vendidos da empresa aumentou apenas de 16,9 milhões para 24,7 milhões de libras, ou 3% ao ano. |
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Mas o Ativo Único da See’s estava no amor que seus clientes tinham pela marca. Isso permitia que a empresa elevasse o preço efetivo por libra em 10% ao ano – muito acima da taxa de inflação. Portanto, embora os seus volumes crescessem lentamente, o faturamento avançava em passos muito mais largos…e sempre vestindo o short/biquini da lucratividade. |
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Em 1982, Buffett recebeu uma oferta de US$ 125 milhões pela See’s – 5x os US$ 25 milhões que ele havia pagado apenas 10 anos antes, ou um retorno anual composto de 20%. Ele não aceitou. Desde então, sua aposta se mostrou mais do que acertada. Continuando com a mesma taxa de crescimento devagar, mas constante, as vendas da See’s chegaram a US$ 383 milhões em 2007 (com US$ 82 milhões em lucros antes dos impostos) e estimados US$ 430 milhões em 2018. Desde 1972, a empresa deu à Berkshire Hathaway mais de US$ 2 bilhões em dividendos. Isso é um retorno de mais de 80x, ou 160%+ por ano. E boa parte desse dinheiro foi reinvestido em outras companhias, gerando ainda mais retorno para os acionistas da Berkshire. Em sua carta anual de 1994, Buffett descreveu a sua única frustação com a See’s: “Adoraríamos aumentar nosso interesse econômico na See’s, mas não encontramos uma maneira de aumentar nossa participação de 100%.” “Price is what you give, value is what you get.” Warren Buffett |
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