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O estratosférico valor do conhecimento

🎶 O dia em que a Terra parou… O dia em que a Terra parou…!!!🎶

Não, você não vai ficar “maluco beleza” se de repente sair cantando por aí os hits de Raul Seixas. Segure a minha mão e fique tranqs, porque o assunto de hoje vai diminuir a rotação do planeta, se “pah” alinhar os astros.

Na lata: “New space”, sabe o que é? Talvez, talvez, você já tenha se deparado com o termo por aí. Mas vamos lá.

New Space é a Nova Economia do Espaço. Que se traduz em uns foguetinhos cabulosos rasgando o céu cor de anil, arrancando cada vez mais “goshs”“fantastics” e “uaus” mundo afora.

Sem contar a importância das “ibagens” de satélites para segurança de fronteiras, para a boa gestão ambiental independentemente do Bioma. Novas formas de energia e novos materiais também entram na conta, principalmente no que diz respeito ao fluxo  para satélites.

Imagem aérea de plantação e floresta.

Nessa estratosfera, está o PIB mundial. Porque os bilhardários são, de fato, a face mais visível dessa nova economia espacial: Jeff Bezos (Amazon), fundador da Blue Origin; Elon Musk (SpaceX); Richard Branson (Virgin Galactic). Todos eles tirando o foguetinho da garagem no fim de semana para dar um rolê até o satélite natural mais próximo do nosso planeta, a Lua.

Brincadeiras no espaço à parte, o fato é que a indústria aeroespacial não é só foguete. Envolve um amplo ecossistema, de aviões, helicópteros, satélites, sistemas de comunicação e navegação à mais recente tendência do setor: a produção de táxis aéreos e (pasmem!) carros voadores!

Sim, os sinais de futuro já existentes no mercado nos permitem vislumbrar um mundo em que teremos à disposição, por exemplo, carros voadores – os chamados eVTOLs. Quem?!? e-V-T-O-L, which means veículo elétrico de decolagem e pouso vertical. Alô, Jetsons!

Já já iremos nessa engenhoca de casa ao trabalho, do trabalho até nossa residência. Só para reforçar nossas fantasias, a EVE, empresa de mobilidade aérea urbana criada pela Embraer, já divulgou que planeja testes de voo de seus eVTOLs para 2026.

Isso, sem contar o delivery. Porque drones hoje na porta de casa já são uma (quase) realidade. Vem aí, a pizza voadora. E com um cash flow impressionante.

“A capacidade dos satélites em ler nosso território, por exemplo, a partir de imagens de satélite com sensores multiespectrais, desde captura óptica até infravermelha, é algo revolucionário”, explica Renato Ramalho, CEO da KPTL.

Revolucionário e muito lucrativo. Relatório da Associação das Indústrias Aeroespaciais (AIA), em parceria com a S&P Global Market Intelligence, diz que o setor gerou mais de US$ 955 bilhões em vendas em 2023, um aumento de 7,1% em relação ao ano anterior. O PIB do Brasil não consegue crescer 5% ao ano. Vai vendo…

Brasil, mostra tua cara

Está tudo muito bom, tudo muito bem, mas nosotros como ficamos? Estamos sentados na cadeira de piloto ou numa poltroninha puída no fundo do avião?

Para responder a esta pergunta, é preciso voltar um pouquinho no tempo. Vai se acomodando no próximo ônibus estelar e, se puder, pegue a janelinha.

Porque o primeiro passo é entendermos que temos um verdadeiro polo aeroespacial que nos credencia a uma participação relevante nessa nova era da indústria – e isso tem a ver, claro, com a Embraer e o polo aeroespacial de São José dos Campos (SP), uma hora e meia de São Paulo (SP).

Depois, vamos pegar o “DeLorean”, o carro da película “De volta para o Futuro”, e retornarmos até 1940. Nessa década, foi criado o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), órgão ligado ao Ministério da Aeronáutica. A partir desse “marco zero”, em 1950, o CTA montou sua escola de engenharia, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o famoso ITA. O objetivo, óbvio, era formar engenheiros aeronáuticos. Só que cabia mais. Cabia uma empresa. Como cabia o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) e as relevantes previsões climáticas.

Sala do INPE.

Então, dali até 1969 foi um pulo. Com o surgimento da Embraer nesse ano, o Brasil virou a chave. E não demorou para que a companhia se tornasse numa potência mundial da indústria aeroespacial.

Por conta disso tudo, a região do Vale do Paraíba – que concentra as cidades de Taubaté, São José dos Campos e outras – cristalizou. “Um país continental como o nosso, muito menos integrado àquela época, precisava de meios para que tanto a aviação civil quanto a militar pudessem se desenvolver. As competências estabelecidas pelo então Ministério da Aeronáutica, via CTA, o arranjo de essencial de apoio político, de investimentos e de compras governamentais, e a inovação com a nascente Embraer foram um caso exitoso da tão citada tripla hélice: governo, academia e indústria agindo de forma sinérgica”, lembra Moura.

Muitos são os exemplos de criatividade tecnológica e de negócios que levaram a Embraer a ser destaque internacional, afirma o ex-presidente da AEB. Desafios enormes também a forçaram a se reinventar:  exploração de novos nichos de mercado, parcerias de risco para desenvolver produtos inovadores e altamente competitivos, privatização, apenas para citar alguns marcos na história de nossa principal exportadora de produtos tecnológicos.

Outro ponto importante é que as demandas geradas pela Embraer levaram à criação de diferentes empresas nesse ecossistema. “A Akaer nasceu atuando como provedora de serviços de engenharia para a Embraer. Hoje, possui projetos em vários países.  Outro exemplo marcante foi o investimento da Embraer na Tempest, uma empresa de cibersegurança que, depois de alcançar destaque internacional, acabou tendo seu controle assumido pela investidora. É assim que, hoje, podemos dizer que o Brasil possui um verdadeiro polo aeroespacial nucleado pela Embraer e cobiçado por concorrentes”, explica Moura. A Akaer é uma das maiores empresas brasileiras no desenvolvimento de projetos aeronáuticos.

Startups aeroespaciais

A formação de um ecossistema a partir da Embraer e do polo tecnológico de São José dos Campos motivou, ao longo dos anos, o surgimento de diversas empresas. Muitas startups nasceram de ex-funcionários das companhias do setor e dos programas de pós-graduação na área. Por isso, a indústria aeroespacial hoje está espalhada por diferentes regiões, e não mais concentrada só no Vale do Paraíba.

E muitas, muitas, das startups do setor desenvolveram algum recurso tecnológico que é empregado em equipamentos aeroespaciais. “Outras partiram para a exploração de serviços, como crédito e outras necessidades do agronegócio”, diz Moura. “Percebe-se que os casos mais exitosos são aqueles que não dependem essencialmente de demandas de governo ou de um único cliente”, diz.

A Agrotools, investida da KPTL, por exemplo, se vale de cada vírgula das informações aeroespaciais. Antes, explica o CEO da KPTL, um banco para aprovar um financiamento para um produtor rural se valia de informações vindas de bureau de créditos, faturamento, histórico de produtividade, ou seja, informação tabular.

Sala de controle da Agrotools, reunindo mapeamento, dados e inteligência de localização.

“O que a Agrotools fez, mudou radicalmente a maneira de se analisar a concessão de crédito. A partir de imagens georreferenciadas de um território, a empresa criou mais de 1,3 mil camadas de informação, que obviamente dão segurança a qualquer instituição financeira na hora de viabilizar financiamento”, explica Ramalho.

Nesse sentido, apoiar a capacitação dessas novas startups, desenvolvendo competências de empreendedorismo e gestão, é primordial. A Space Wise, por exemplo, atua nesse cenário, criando projetos e eventos para preparar os empreendedores.

Para Moura, o espaço (não é trocadilho, juro!) para o Brasil nesse mercado passa por definir nichos em que o país pode ser competitivo. Setores econômicos de destaque, como agronegócio, mineração, óleo e gás, assim como outros promissores (energias renováveis e hubs para IA).

“Aeronaves autônomas, aeronaves com baixa emissão de carbono, sensoriamento remoto por satélite, análise de ativos com IA aplicada a imageamentos, mercado de seguros, sistemas de comunicação para localidades e ativos remotos são algumas das áreas em que a inovação é bem demandada”, afirma.

“O nosso DNA aeroespacial pode se fortalecer ao passo em que aprimoremos essa visão empreendedora, desde a escola fundamental e, mais fortemente, a partir do ensino médio.  O aspecto lúdico da aviação e do espaço, assim como da robótica, pode ser bem canalizado para melhorarmos a atração de valores”, demonstra Moura.

DNA de inovação

É justamente nessa vertente que atua o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), órgão ligado ao governo do Estado de São Paulo. A instituição atende a 3 mil empresas por ano, muitas delas com soluções e atividades no setor aeroespacial. “O IPT tem uma unidade em São José dos Campos, que abriga o Laboratório de Estruturas Leves, núcleo com bastante sinergia com a Embraer e outras empresas do setor”, diz Anderson Correia, presidente do IPT. “Exemplos disso são o desenvolvimento de materiais leves, que são essenciais para a aviação (redução de peso ajuda tornar a aeronave mais eficiente) e para os satélites, que estão cada vez ficando mais leves e eficientes também”, afirma.

Um dos gargalos para as empresas, diz ele, é a certificação, pois o setor aeroespacial é muito regulado. Nesse sentido, organizações como o IPT podem ajudar a desenvolver os ensaios e testes necessários, apoiando na elaboração da documentação que envolve a certificação junto à ANAC e organismos internacionais. “Estar certificado facilita na atração de investimentos. Ninguém vai querer colocar dinheiro em empresas que não têm viabilidade técnica para operar no Brasil ou em outros mercados”.

Para ele, o Brasil tem vocação e capacidade tecnológica para desenvolver um “DNA” de inovação reconhecido internacionalmente, especialmente em alguns segmentos.

Como se vê para além da cabine de comando, o céu é de brigadeiro. O que não quer dizer que não haja desafios no caminho.

Como diz Carlos Moura, ainda há uma forte carência de investimentos privados em startups e produtos que já tenham passado pelo vale da morte. “Melhorar o mapeamento do que existe e do que está em condições promissoras de virar um negócio é, sem dúvida, um passo necessário”, diz.

O ex-presidente da AEB lembra que o “Brasil, malgrado dificuldades conjunturais, tem sido apontado como potencial beneficiário de crises no cenário geopolítico. Temos que fortalecer nossa competitividade, tanto naquilo em que já nos posicionamos como agentes de classe mundial, como em vertentes promissoras como as de economia verde e, certamente, agregando produtos e serviços aeroespaciais.  Já fizemos no passado, com a Embraer, podemos reeditar a partir de agora”.

Em outras palavras, já conhecemos a plataforma de lançamento. O que falta é aquecermos a turbina e nos aventurarmos. Porque, afinal de contas, foguete não dá ré.

“O universo é uma harmonia de contrários.”

Pitágoras

3 perguntas para…

Alexandre de Barros

Membro do Comitê de Auditoria do Conselho de Administração do Banco Itaú, Conselheiro Consultivo da Space Wise e Engenheiro de Infraestrutura Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico Aeronáutico (ITA), com MBA pela New York University e Especialização em Gestão de Riscos pelo INSEAD.

(Foto: Divulgação)

1) O Brasil tem tradição de desenvolvimento em tecnologia de ponta no setor aeroespacial. Como você avalia a evolução desse setor no país nos últimos anos, especialmente do ponto de inovação e negócios?

O setor tem se desenvolvido muito nos últimos tempos. O avanço mundial da indústria aeroespacial teve reflexos diretos no Brasil, despertando tanto empreendedores quanto investidores, públicos e privados. A presença de uma indústria líder como a Embraer fomenta o desenvolvimento de todo um ecossistema no País. Aliado a isso, setores fortes, como o agronegócio, geram demanda para o setor aeroespacial. Um exemplo são os drones de alta capacidade e cobertura de satélite de órbita baixa.

2) O ecossistema brasileiro de venture capital tem avançado a passos largos em algumas áreas, como a financeira e de tecnologia. Qual sua avaliação sobre a atuação do VC na indústria aeroespacial?

A atração de capital de risco privado ainda carece de maior desenvolvimento no País. Setores como o de fintechs exigem pouco capital nas fases iniciais, quando comparados ao setor aeroespacial – e onde também já existe uma cultura de valuation. Contudo, o setor vem se desenvolvendo a passos largos, inclusive com a entrada de VCs com experiência internacional. Outro ponto importante é que os empreendedores, muitas vezes vindos da área acadêmica, agora passam a apresentar planos de negócios mais robustos.

3) O setor aeroespacial exige tecnologia e ciência de ponta, o que reforça a importância da aproximação da academia com o mercado. Pela sua experiência, quais os principais desafios para aproximar cientistas e investidores?

É um dos maiores desafios enfrentados no Brasil. Em geral, o ambiente regulatório de universidades e entidades de fomento à pesquisa colocam muitas barreiras ao uso de capital privado em projetos que nascem na academia ou na remuneração de pesquisadores. Com algumas exceções, não há incentivo para que o pesquisador procure recursos, diferentemente, por exemplo, dos Estados Unidos, onde isso é incentivado. Algumas iniciativas pontuais, como institutos constituídos por algumas faculdades, fundos de endowment e contratos de colaboração, resolvem parte do problema. Mas o país precisa de um novo marco legal que permita que pesquisadores possam empreender e que as universidades se beneficiem de startups, projetos e patentes.