Newsletter | O segredo de uma das empresas mais inovadoras do mundo, a Netflix
Levante a mão direita quem aqui já teve um Iphone. Agora levante a mão esquerda quem aqui já teve um Iphone que quebrou a tela. Você provavelmente está com os dois braços levantados, certo? E como pode ser que um dos produtos mais bem sucedidos da história recente ter um problema tão comum e que causa de revolta entre os seus consumidores? Para os que já gastaram 300 reais na capinha oficial da Apple, sabemos que a solução não está ai. E não ousem vir me falar da tal das películas. Se for para ficar usando um celular com uma película toda quebrada, eu não entendi a diferença entre simplesmente usar a versão original desse conceito…a tela quebrada.
Muitos acham que é tudo uma teoria da conspiração da Apple para te fazer pagar reparos e comprar celulares novos. A Apple possui um fundo de US$ 5 bilhões focado em tecnologias de manufatura, dos quais US$450 milhões já foram investidos na Corning, a empresa responsável pelo vidro dos Iphones, incluindo uma rodada recente de US$ 45 milhões. E os resultados vem melhorando a cada ano. O novo iphone parece já possuir melhorias significativas.
Mas não importa o que eu escreva, você vai continuar comprando a maldita película, não é mesmo? Porque muitas vezes não importa a ciência, importa entender o comportamento humano.
Story of the week
O fundador do Netflix, Reed Hastings, decidiu criar a empresa depois de ser cobrado em 40 dólares pela Blockbuster de multas de atraso na devolução do filme Apollo 13. Seu objetivo era um só: oferecer um serviço melhor. E não é que a Blockbuster estava alienada à onda da internet. Em 2000, ela fechou uma parceria com a Enron para usar a estrutura de fibra ótica deles e assim permitir que os usuários fizessem o download dos filmes direto de casa. Só que no ano seguinte, a Enron quebrou e tudo foi por água abaixo. Na mesma época, a Blockbuster também estava em conversas com o Netflix para comprá-los, só que na época acharam que o preço de 50 milhões de dólares que a Netflix estava pedindo era muito caro. Nas palavras de Reed: “Naquele dia em que fomos a Dallas, a Blockbuster estava com as cartas na mão. Eles possuíam a marca, o poder, os recursos e a visão. A Blockbuster ganhava de nós sem mexer um dedo.”
Nos anos seguintes, eles tentaram desenvolver a mesma solução dentro de casa. Investiram mais de 1 bilhão de dólares e o projeto estava indo muito bem. Eles tentaram incluir o seu maior ativo na jogada, que era a sua rede de 1000 lojas em uma estratégia omnichannel (90% dos americanos tinham um blockbuster ao seu alcance). Você alugava o filme online e devolvia em qualquer loja física. Nisso, o Netflix voltou para a mesa de negociação, dessa vez tentando uma parceria com esse novo braço online. foram barrados pelo famoso investidor Carl Icahn, um dos maiores acionistas da Blockbuster na época. Na visão dele 1) Aquela iniciativa estava queimando muito dinheiro – crescia mas não era rentável; 2) Aquilo estava preocupando os franqueados; e 3) Uma boa parte da diretoria era old fashioned e também não via com bons olhos toda essa mudança. Ele conseguiu barrar o deal com a Netflix e acabou enterrando de vez o braço online da Blockbuster. Atualmente, a Blockbuster possui apenas 1 loja e o Netflix vale 220 bilhões de dólares.
Milhões de executivos já estudaram o Netflix Culture Deck, um conjunto de 127 slides destinados originalmente para uso interno, mas que Reed Hastings compartilhou na internet em 2009. Dizem que Sheryl Sandberg, número 2 do Facebook, afirmou que o Culture Deck “pode muito bem ser o documento mais importante já produzido no Vale do Silício”. Recentemente, Reed, em parceria com a Erin Meyer, lançou o Livro “A Regra é Não Ter Regras”, no qual ele destrincha mais no detalhe os pilares da Cultura da Netflix. Vamos aos principais insights.
Estimule a sinceridade
Funcionários talentosos têm muito a aprender uns com os outros. Mas os protocolos de etiqueta vigentes geralmente impedem os funcionários de fornecerem o feedback necessário para elevar o desempenho a outro nível. Quando integrantes talentosos da equipe adotam o hábito de fornecer feedback, todos melhoram no que fazem enquanto se tornam implicitamente responsáveis uns pelos outros
Pesquisas mostram que a maioria de nós entende instintivamente o valor de ouvir a verdade. É estressante e desagradável ouvir o que estamos fazendo de errado, mas, após o estresse inicial, o feedback de fato ajuda.
Mas no feedback na Netflix não vale tudo. Lá eles possuem a expressão “Só fale de uma pessoa aquilo que você diria na cara dela.” Sempre que alguém reclama de outro funcionário para Reed a pergunta imediata dele é: “O que essa pessoa respondeu quando você lhe disse isso diretamente?” Além disso, os gestores da Netflix investem um tempo significativo ensinando aos funcionários o que é certo e errado na troca de feedbacks. Para cada feedback, eles seguem o conceito dos 4 As.
1)Alvo a alcançar: o feedback deve ter um intuito construtivo.
2)Ação específica: seu feedback deve se concentrar no que o destinatário pode mudar.
3)Agradecer: ao receber críticas, a tendência natural do ser humano é reagir se defendendo ou se desculpando. Quando você recebe feedback, precisa combater essa reação natural e, em vez disso, se perguntar: “Como posso demonstrar gratidão por esse feedback, ouvindo com atenção, considerando a mensagem com a mente aberta e não ficando na defensiva nem com raiva?”
4)Aceitar ou Descartar: você precisa ouvir e considerar todos os feedbacks mas não é obrigado a segui-los.
Esse é um conceito que aplicamos aqui na KPTL. Sempre que um empreendedor vem nos contar a sua ideia, tentamos ser sempre o mais transparentes e sinceros possíveis nos feedbacks. Acreditamos que é isso que contribui para o empreendedor, ao invés de simplesmente escutar e enviar um email genérico declinando o deal. Mas de fato é muito comum o empreendedor entrar na defensiva nesses casos, ao invés de tentar absorver a mensagem do feeback, aceitando-a ou não.
Remova controles
Hoje, na era da informação, o que importa é o que você realiza, não quantas horas trabalha, especialmente para funcionários de empresas criativas como a Netflix. Estamos todos trabalhando online em alguns fins de semana, respondendo a e-mails tarde da noite, tirando uma tarde para resolver assuntos pessoais. Não contamos as horas trabalhadas por dias ou por semanas. Por que contamos dias de férias por ano?
Não havia resposta para isso no Netflix. Um funcionário podia trabalhar das nove da manhã às cinco da tarde (turno de oito horas) ou das cinco da manhã às nove da noite (turno de dezesseis horas). Essa é uma variação de 100%, mas ninguém monitorava isso. Então, por que devo me preocupar se esse funcionário trabalha cinquenta ou 48 semanas por ano? Essa é apenas uma variação de 4%.
Férias ilimitadas ajudam a atrair e a manter os melhores talentos.. A eliminação dessa política também reduz a burocracia e os custos administrativos gerados para acompanhar quem está de férias e quando. O mais importante: a liberdade sinaliza aos funcionários um sentimento de confiança que, por sua vez, os incentiva a serem responsáveis.
Para se elimiar a política de férias, é importante que a diretoria lidere o exemplo. Se o CEO está tirando apenas duas semanas de férias, é claro que seus funcionários sentem que o plano ilimitado não lhes dá muita liberdade. Pelas contas de Reed, ele tira seis semanas de férias por ano. Sarah, uma engenheira de software sênior, trabalha de setenta a oitenta horas semanais, mas tira dez semanas de férias por ano. Desde que você faça um ótimo trabalho, ninguém se importa.
Eles também expandiram esse conceito para a política de viagens e despesas, que se resume a estas palavras: atue em prol da Netflix. Não é do interesse da Netflix que toda a equipe de conteúdo viaje na classe executiva entre Los Angeles e o México. Mas, se você tiver de pegar um voo noturno de Los Angeles a Nova York e fazer uma apresentação na manhã seguinte, provavelmente será do interesse da Netflix que você viaje na executiva, para que não fique com olheiras e com a fala arrastada quando chegar o grande momento. Antes de gastar qualquer dinheiro, incentivam os funcionários a imaginar que serão solicitados a sentar em frente do chefe e explicar a escolha. Se o funcionário se sentir confortável em fazer isso, não há nenhum mecanismo de aprovação, ele simplesmente vai lá, executa o gasto e depois pede reembolso. Mas aí entra o conceito de Liberdade com Responsabilidade. O departamento financeiro faz auditorias anuais de 10% de todas as despesas. Quando é identificado algum abuso para o qual o funcionário não possui uma boa justificativa, é demissão imediata.
Na maioria das empresas, as diretrizes e os processos de controle são implementados para lidarem com comportamento desleixado, falta de profissionalismo ou irresponsabilidade por parte dos funcionários. Mas, se você evitar essas pessoas ou demiti-las, não precisará de regras. Se criar uma empresa composta por funcionários com alto desempenho, você poderá eliminar a maioria dos controles.
O Resultado
Quando se cria um ambiente com alta densidade de talento e com poucos controles, isso gera uma hierarquia não em pirâmide, mas em formato de árvore, na qual o CEO está na Raiz, dando o contexto para que os líderes possam tomar as melhores decisões. Reed acredita tão profundamente na distribuição do processo decisório que, segundo seu modelo, um CEO só faz bem seu trabalho se não está ocupado.
Se seus funcionários forem excelentes e você lhes der liberdade para implementarem as ideias brilhantes em que acreditam, a inovação vai acontecer. A Netflix não opera em um mercado crítico para a segurança, como medicina ou energia nuclear. Em algumas indústrias, a prevenção de erros é essencial. Mas no mercado criativo, a grande ameaça a longo prazo não é cometer um erro, e sim a falta de inovação.
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