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Newsletter | O atleta do futuro

 

E-sports

A importância que a indústria de e-sports ganhou nos últimos anos é indiscutível. O termo “entretenimento” não é mais reservado para os filmes de Hollywood ou novelas da Globo. Os jogos fornecem uma das formas mais imersivas de entretenimento, e não ao acaso, atraem bilhões de pessoas, seja jogando no celular, console ou PC. Segundo dados da consultoria Newzoo, as receitas do setor devem chegar a US$175 bilhões em 2021.

Explicando rapidamente o funcionamento da indústria, a cadeia de valor da produção de jogos é composta por três grandes players:

1) Desenvolvedores: são responsáveis pela produção dos jogos, incluindo a programação, arte, design, áudio e testes. Aqui temos desde as grandes empresas do setor como Sony e Microsoft, assim como estúdios menores e independentes.

2) Editores/publicadores: fazem o marketing, bem como toda a gestão do produto e marca do jogo e, por último, são responsáveis por lidar com todas as complexidades que envolvem a distribuição dos jogos. São empresas relevantes que estão por trás da publicação de jogos, alguns exemplos são a Activision (US$53 Bi) e Electronic Arts (US$41 Bi), ambas listadas na NASDAQ.

3) Consoles: são os hardwares dedicados a executar os jogos. Historicamente, o mercado de consoles foi dominado pela Microsoft, Sony e Nintendo, mas recentemente tem sido remodelado por conta da ascensão dos smartphones e PCs.

Mas hoje, eu não vim falar somente da indústria de produção de jogos, e sim dos seus consumidores. Mais especificamente, queria chamar atenção aos esportes eletrônicos, comumente chamados de e-sports, a parte competitiva por trás dos jogos de video game.

Particularmente, passei algumas centenas de horas da minha adolescência na frente da televisão jogando ou assistindo outras pessoas jogarem. Mas por que assistir alguém jogando se o legal é jogar? Lembro claramente da minha mãe perguntando “Mas você está jogando ou assistindo?” ou “Tem campeonato mundial disso?”. A resposta para ambas as perguntas era simples: sim mãe, estou assistindo jogadores profissionais jogarem um campeonato mundial de videogame!

Imagine seu esporte favorito. Seja o futebol, basquete ou vôlei, todos têm muitas coisas em comum: torcedores, estádios lotados, transmissões dos jogos e atletas profissionais. A mesma coisa se repete para os e-sports. O atleta de e-sport é essencialmente o Pelé ou Michael Jordan da sua profissão, mas ao invés de driblar ou enterrar, eles estão superando seus adversários em um mundo virtual.

Como mencionei, cresci achando tudo isso normal. Mas, recentemente, tive contato com outras pessoas que, assim como a minha mãe, desconhecem o tema. Vi não só desconhecimento, mas preconceito e muita estereotipagem depreciativa que ainda existe sobre esse universo. Há muita descrença no fato de que os jogos eletrônicos se tornaram um mercado enorme e cada vez mais profissionalizado. Principalmente no âmbito dos e-sports, existem diversos debates sobre considerá-los esportes de verdade, se os atletas são realmente atletas, e se isso pode ser considerado uma profissão real, e não apenas mais uma brincadeira de criança. Então resolvi escrever um pouco sobre isso.

 

 

A história do e-sports

Antes de tratar do panorama atual, é preciso entender o contexto em que se inserem os e-sports. Os jogos eletrônicos foram criados na década de 1960, e a primeira competição de que se tem notícia aconteceu em 1971, na Universidade de Stanford, onde alguns alunos se juntaram para competir no jogo Spacewar, o primeiro jogo de videogame criado. O prêmio? A assinatura de um ano da revista Rolling Stones.

Nos próximos anos, a indústria evoluiria como um todo. Novos consoles foram surgindo e novos estilos de jogos foram se popularizando ao longo do tempo, como os jogos de tiro e de luta. As competições também se tornaram mais populares e profissionais. Em 1997, aconteceu o Red Annihiliation, competição do jogo Quake que contou com mais de 2.000 participantes, reconhecida como o primeiro torneio profissional de jogos eletrônicos. O vencedor do torneio foi Dennis “Thresh” Fong (é comum os profissionais terem apelidos dentro dos jogos). Ele ficou conhecido como o primeiro jogador profissional de e-sports e levou uma Ferrari 328 como premiação. Um pouco melhor do que as revistas da Rolling Stones, se vocês me perguntarem.

 

 

Apesar do sucesso, existiam algumas barreiras a serem superadas para que os games se tornassem mainstream. Como superamos essas barreiras? A internet.

Com o acesso à internet, os jogos ganharam modos multiplayers online. Foi nessa época que houve o boom das lan-houses no Brasil e dos Internet Cafes no exterior. Tudo isso possibilitou que os jogos se tornassem cada vez mais globais e competitivos.

No entanto, os jogos ainda eram apreciados apenas por jogadores ou fãs casuais e não havia uma forma de realizar transmissões dos jogos para que eles se tornassem um conteúdo midiático. Em 2011, a Twitch foi criada para ser uma plataforma de streaming para jogos e esportes eletrônicos (foram vendidos para a Amazon por US$ 970 Mi em 2014). A plataforma ajudou as massas a terem acesso aos jogos profissionais em um nível mais pessoal. Instaurou-se a era atual dos e-sports. Nela, os jogos passaram a atrair milhares de pessoas e, por consequência, muito dinheiro e investimento.

 

 

Panorama atual dos e-sports

Como esse breve contexto, o que falta responder é: como os e-sports estão atualmente? Para fazer essa análise, vou separá-la em três tópicos: os jogos, times e atletas.

 

Jogos

Primeiro ponto a ser esclarecido é que nem todo jogo, mesmo que seja popular, possui um cenário competitivo por trás dele. Ao mesmo tempo, existem diversos que possuem. Naturalmente, não consigo analisar a fundo todos eles. No entanto, vou destacar alguns que possuíram e possuem uma grande relevância dentro dos e-sports: League of Legends, Dota 2, CS:GO e, mais recentemente, o Fortnite.

Infelizmente para os desenvolvedores, não existe uma receita para o sucesso de um jogo. No entanto, apesar dos jogos apresentados anteriormente não possuírem temáticas parecidas, eles possuem características em comum que foram essenciais para o seu sucesso: são jogos multiplayers online, são gratuitos e não exigem um hardware caro para serem jogados. E claro, são divertidos. Esses fatores juntos fizeram com que eles criassem uma base massiva de jogadores, espectadores e consumidores. Por exemplo, se os jogos Fortnite e League of Legends fossem países, eles seriam, respectivamente, o 5° e 15° países mais populosos do mundo!

 

 

Assim como os esportes tradicionais, os e-sports são organizados no formato de ligas, e possuem campeonatos regionais e internacionais. A Riot Games, desenvolvedora do League of Legends, conta com 117 times em 12 ligas espalhadas por todo planeta, incluindo o Brasil. Normalmente esses times competem nos torneios regionais, que dão vagas para o campeonato mundial. E por conta da popularidade e grande público, esses torneios são uma grande vitrine para empresas patrocinadoras como: Mercedes-Benz, Spotify, Cisco, Louis Vitton, Mastercard, Red Bull, entre outras. E, claro, as premiações são milionárias.

 

 

Com tanto potencial por trás desses jogos, existe um movimento de entrada e consolidação neste mercado. Por exemplo, a Tencent, maior conglomerado chinês de tecnologia (US$ 580 Bi de Market Cap), é dona de 100% da Riot Games (League of Legends) e de 40% da Epic Games (Fortnite). Enquanto isso, desde 2018, a Microsoft está interessada na compra da Valve, desenvolvedora do CS:GO e Dota 2. Isso mostra a importância que as empresas estão dando para o mercado, querendo se tornar cada vez mais competitivas dentro da indústria, a fim de explorar o potencial existente nela.

Aqui vale salientar um ponto importante sobre o modelo de negócios desses jogos. Apesar de eles serem de graça, não significa que eles não geram receita para seus desenvolvedores. Além de receitas advindas dos eventos e transmissões, grande parte do faturamento é por conta das compras dentro do jogo. Com dinheiro real, os jogadores compram personagens novos, roupas, armas, habilidades , entre outros. Segundo dados da Reuters, as receitas estimadas de League of Legends e Fortnite foram de US$1,75 Bi e US$5,1 Bi, respectivamente. Para efeito de comparação, Nubank e Vtex faturaram respectivamente US$737 milhões e US$98,7 milhões no mesmo período.

 

Times

Com o movimento de profissionalização do mercado de jogos competitivos, não demorou muito para que as equipes profissionais surgissem. No início, diversas organizações faliram por falta de investimentos, mas hoje o cenário já é mais estável. Assim como nos esportes tradicionais, as receitas dos times de e-sports não são somente das premiações. Outras fontes incluem os direitos de transmissão, streaming, criação de conteúdo digital, patrocínios e merchandise. Assim, as principais organizações possuem faturamento e tamanho relevantes, mesmo em um mercado tão novo.

 

 

Há alguns dias, a Forbes noticiou o possível surgimento da primeira equipe unicórnio dos e-sports: a FaZe Clan. Avaliada em cerca de US$1 Bi, a organização espera se tornar listada por meio de um SPAC, com um investimento de até US$291 milhões. Investidores da empresa incluem alguns nomes famosos, como o cantor Pitbull e o jogador de basquete Ben Simmmons. No final de 2020, a própria Forbes havia avaliado a FaZe como a 4ª organização de e-sports mais valiosa do mundo, em US$305 milhões, o que representa uma grande salto de valuation em um curto período de tempo.

 

 

Essas organizações tem recebido cada vez mais investimentos e de diversos tipos diferentes de investidores. Olhando rapidamente os números das organizações acima, elas já possuem tamanho suficiente para levantar uma rodada Series B ou até Series C. E foi justamente o que aconteceu com a 100 Thieves, a 5ª da lista, que em 2019 recebeu um aporte de US$35 milhões da Sequoia Capital, uma das gestoras mais tradicionais do mundo de Venture Capital. Empresas também estão presentes, por exemplo, a FTX, uma das maiores bolsas de derivativos de criptomoedas, acabou de comprar parte da TSM, número 1 da lista. A SK Telecom, uma operadora de telecomunicações da Coréia do Sul, é dona da T1, 10ª da lista. Também temos as organizações que atuam com esportes mais tradicionais entrando nesse mundo, por exemplo, o Paris Saint-German, onde o Neymar joga atualmente. Este que é um ávido jogador de CS:GO, com mais de R$450 mil gastos em compras dentro do jogo. Outros jogadores também fomentam o cenários de e-sports, como Ronaldinho Gaúcho e Casemiro que possuem times próprios.

No Brasil, no quesito investimento, ainda ficamos um pouco atrás das organizações do exterior, mas os mesmos movimentos são observados por aqui. Flamengo e Corinthians já possuem os próprios times, bem como a Netshoes e a Kabum. Mas em relação a torcida e apoio, os times de e-sports já rivalizam com o de esportes tradicionais, mostrando a força que os esportes eletrônicos já possuem em nosso país.

 

 

Atletas

Da mesma forma como nos esportes, os e-sports possuem suas próprias super estrelas, com diversos atletas realmente ganhando a vida por meio dos jogos eletrônicos. É difícil destacar qual o melhor, mas de acordo com a Ranker.com, o maior atleta de e-sports da história é um garoto de 23 anos chamado Sang Hyeok “Faker” Lee. Começou sua carreira em 2013 e logo ganhou os holofotes por conta das suas habilidades. Apelidado de “Unkillable Demon King”, ele já faturou três campeonatos mundiais. No Brasil, poderíamos chamá-lo de Pelé dos games, um apelido um pouco mais amigável. Segundo dados da ForeignPolicy, o patrimônio dele alcança os US$4 milhões de dólares, sendo o contrato atual dele de US$2,5 milhões por ano, além de ser acionista no time em que joga, a T1, apresentada na lista das equipes mais valiosas. Aqui no Brasil, temos diversas figuras se destacando nesse cenário. Uma delas é o Léo “Kyno” Figueiredo. Conversamos um pouco com ele para saber mais sobre como é ser um jogador profissional.

 

 

Nascido em 2002 no Brasil, logo descobriu a paixão pelos jogos, principalmente o CS:GO, e futuramente o Rainbow 6, um jogo com temática parecida. Aos 15 anos, se mudou para Flórida e nessa idade já sabia que queria ser um jogador profissional, apesar dos pais ainda terem muitas dúvidas sobre essa careira.

Desde os 16 anos, Léo já poderia ser considerado um jogador de elite, mas existia uma grande barreira. Apenas jogadores com mais de 18 anos podem participar dos principais torneios. Apesar disso, ele continuou jogando em times da “série B”, que por serem amadores, permitiam que ele participasse. Então, apesar de nunca ter jogado profissionalmente, já mantinha uma reputação dentro do cenário competitivo de Rainbow 6. Aos 18, não deu outra, foi chamado para integrar o time Oxygen Esports, uma organização americana relativamente nova, mas que tem expandindo sua atuação de forma rápida, e ganhado notoriedade dentro do cenário. Com a entrada na Oxygen, Léo se tornou o primeiro brasileiro a disputar um torneio da “série A” fora da América Latina. E a adição dele tem mostrado resultados, a equipe tem constantemente ido ao pódio nos últimos torneios que participou.

Muitos têm a visão de que a vida de um jogador profissional é fácil, mas Léo desmente isso. O time treina 6 vezes por semana, com os treinos começando às 14h e terminando as 20h, depois disso ele janta, e treina sozinho até umas 4 horas da madrugada. Léo garante, que no final da semana, o cansaço é igual ou maior que qualquer trabalho “convencional”.

Questionado sobre o que ele espera para o futuro, ele menciona que não tem certeza, mas prefere não pensar sobre isso, já que possui mais 5 ou 6 anos pela frente como jogador profissional. Normalmente os jogadores se aposentam antes dos 30 anos, já que ao longo do tempo vão perdendo os reflexos.

Após uma ótima campanha com seu time em 2021, hoje ele está embarcando para a Suécia, para jogar o Six Sweden Major 2021, um dos maiores campeonatos do ano, onde 16 times de todo mundo irão competir pela premiação de US$ 500 mil.

 

E o futuro?

As últimas semanas, tumultuadas com discussões de um metaverso, de uma mudança de hábitos para a esfera virtual, deixam cada vez mais evidente que o mercado de e-sports veio para ficar. Os jogos ficarão cada vez mais sofisticados. Os campeonatos cada vez mais acirrados. As equipes cada vez mais profissionalizadas. E seus jogadores cada vez mais populares.

 

Será que um dia teremos três olimpíadas? A de verão, a de inverno e a virtual?

 

“At their highest level, all competitive disciplines become vehicles for the expression of one’s human potential.”