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Já parou para pensar no porquê existem essas diferentes cores para as roupas médicas?

Até o começo do século 20, cirurgiões operavam com as suas roupas normais e usavam apenas um avental para evitar manchas de sangue. Ver que o seu médico tinha um avental cheio de manchas de sangue era até um bom sinal, mostrava que ele tinha experiência. Após o surto da gripe espanhola, começou-se a dar mais atenção para higiene. Com isso, os médicos começaram a usar roupas brancas, para reforçar que estavam limpos.

Essa nova vestimenta começou a ser um problema nas salas de operação. Em longas cirurgias, uniformes brancos podem causar fadigas oculares e dores de cabeça. Precisou apenas que um médico influente trocasse para a cor verde, para rapidamente se tornar uma regra na comunidade médica. O verde (e o azul também) não apenas reduz o cansaço visual, mas também refresca a visão de um médico sobre coisas vermelhas, muito útil em uma cirurgia, dado que o cérebro interpreta as cores em relação umas às outras.

 

Story of the week

Perdeu! Perdeu!

A criminalidade parece ser um daqueles problemas brasileiros que sempre estará conosco. Ou será que algum dia o Brasil vai conseguir vencer esse fantasma?

É provável que sim. E não precisa demorar muito. O segredo? Tecnologia.

Na verdade, em meio a revezes, já há sim uma tendência de melhora. Para avanços mais substanciais, no entanto, é preciso vencer a letargia do setor público e a leniência do setor privado.

Fuga do inferno

Poucas coisas colocam o Brasil em posição tão vexatória quanto a segurança pública. Segundo o Banco Mundial, em 2018 havia apenas 7 nações com taxas de homicídios piores que as do Brasil, crime não somente o mais brutal, mas também o que oferece as estatísticas mais confiáveis.

Os determinantes da violência são múltiplos e complexos, sendo em boa medida reflexo de outros problemas sociais. Bastaria observar que de cada três menores infratores internados na Fundação Casa (SP), dois cresceram em famílias desestruturadas.

Estudos acadêmicos mostram que os crimes violentos estão vinculados à desigualdade de renda, ao subdesenvolvimento e crises econômicas, além de terem um elevado componente inercial (Mario CocciaLoureiro e SilvaLederman, Fajnzylber e Loayza).

Ainda assim, diminuir acentuadamente os índices de criminalidade é um desafio que está plenamente ao alcance das autoridades e onde importantes avanços podem ser alcançados em pouco tempo, como demonstrado pela experiência internacional e mesmo a de alguns estados brasileiros.

O melhor exemplo vem dos países desenvolvidos. Embora convivam com taxas de homicídios relativamente baixas há 200 anos, nos últimos 20 anos houve uma continua e generalizada queda da criminalidade em geral, com a taxa de homicídios girando em torno de 1,5 por 100 mil habitantes (incidência 90% inferior à brasileira).

Isso contra muitos prognósticos prévios de que os índices de criminalidade voltariam a se deteriorar diante do aumento das tensões étnicas, da piora da distribuição de renda e da maior incidência de crianças criadas em lares pouco estruturados.

Há também casos de sucesso na redução substancial e consistente dos homicídios em países tão diversos quanto Estônia, Cazaquistão e aqui perto, no Paraguai e Colômbia (gráfico abaixo), mostrando que a Lei de Newton também opera contra o crime.

* Por 100 mil habitantes. Fonte: Banco Mundial.

No Brasil, o caso mais notório de reversão dos crimes violentos foi São Paulo, 5º estado com maior incidência de homicídios em 1999, mas que logrou êxito em reduzir esse tipo de violência em 65% em um intervalo de 8 anos (2007). Nos anos seguintes, a taxa de homicídios continuou a recuar, ainda que mais lentamente, sendo que desde 2015 o Estado apresenta o menor índice de homicídios do País, acumulando recuo de 84%.

Outros estados que também vem obtendo avanços expressivos e consistentes na redução de homicídios incluem DF (-66% de 2012 a 2021), RJ (-62% entre 2002 e 2021) e MS (-52% entre1996 e 2019). No Brasil como um todo, depois de estacionar em um pico perto de 30 mortes por 100 mil hab. entre 2014 e 2017, esse índice de violência extrema ensaia uma importante redução, da ordem de 30% nos últimos 3 anos (gráfico abaixo). No primeiro trimestre de 2022 houve novo recuo de 6,3%.

Mas, sem ilusões, com homicídios na faixa de 20 mortes por 100 mil hab. ainda somos o 15º País mais violento do mundo. Entre os jovens do sexo masculino, o índice de homicídios no Brasil é de assombrosos 85 mortes por 100 mil.

* Por 100 mil habitantes. Fonte: IPEA (2020 e 2021 valores estimados com base no levantamento do G1).

As razões do sucesso na redução dos crimes violentos em lugares tão distintos ainda é tema de debates acirrados, incluindo no caso brasileiro a redução da proporção de jovens na população e até mesmo um suposto armistício entre as grandes facções do narcotráfico. No entanto, muitos especialistas dão destaque para uma explicação que talvez seja a menos surpreendente de todas – a maior eficiência do sistema de segurança pública, com destaque para o uso crescente de tecnologias de vigilância, prevenção e inteligência policial.

Minority Report

O combate ao crime pressupõe, por óbvio, reduzir as oportunidades e aumentar o custo da prática de delitos, identificar a autoria dos crimes e inibir a reincidência dos infratores. Em todas essas frentes a experiência internacional e mesmo nacional acumula importantes avanços nas últimas décadas e que vem se intensificando graças a incorporação de uma série de tecnologias, incluindo:

I. Inteligência policial: o mapeamento detalhado da incidência de crimes e o uso de inteligência artificial permitem alocar as forças policiais nas áreas e horários de maior probabilidade de ocorrências de crimes.

Estatísticas para a América Latina mostram que 80% dos homicídios são praticados em menos de 5% do perímetro urbano. SP possui o CrimAnalyzer, que identifica padrões de criminalidade por rua, desenvolvido pelo Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), da USP de São Carlos.

Nos 18 batalhões da PM paulista que passaram a adotar as câmeras corporais, a letalidade policial caiu 85% nos últimos 7 meses de 2021, contribuindo para que o Estado tivesse o menor índice dos últimos 9 anos. No estado como um todo, as mortes de PMs em confronto caíram de 10 em 2020 para um caso em 2021 (de um PM que ainda não dispunha do equipamento), fazendo com que as mortes de PMs em serviço atingissem o menor índice em 30 anos.

II. Aumento do uso de sistemas eletrônicos de pagamento motivando a redução do uso do dinheiro em espécie e a maior rastreabilidade dos meios de pagamento. O número de roubos a banco caiu 72% entre 2015 e 2020 no Brasil, atingindo o índice mais baixo desde 2007. Em SP, a queda é de 93% entre 2007 e 2021.

III. Popularização de bens de consumo duráveis reduzem as oportunidades de ganhos no mercado ilegal. Invasão a residências para roubo de televisores e aparelhos de som não é mais algo tão comum. Mas pena que as pessoas ainda valorizem bens posicionais, como aparelhos celulares de 5 mil reais com a mesma funcionalidade dos aparelhos de 800 reais.

IV. Tornozeleira eletrônica: uma solução eficiente para o monitoramento e liberdade vigiada de criminosos e suspeitos por crimes menos ofensivos, permitindo evitar os elevados custos econômicos e sociais do encarceramento.

V. Sistemas de monitoramento: com a rápida queda nos custos de equipamento e de comunicação de dados, vem ocorrendo um aumento exponencial no monitoramento remoto de ambientes públicos e privados, incluindo o uso de câmeras de alta resolução e drones. Será cada vez mais difícil praticar crimes sem que a preparação, o ato e a fuga não tenham sido capturados por uma multiplicidade de câmeras de vigilância.

O município de Estrela (RS) estimou redução de 60% na criminalidade depois da introdução de uma rede de câmeras nas principais ruas do município.

VI. Reconhecimento facial: a tecnologia disponível já permite a identificação de autores de crimes e localização de foragidos da Justiça no espaço público.

VII. Localizadores e bloqueadores remotos de produtos de maior valor, incluindo caminhões e cargas, automóveis notebooks e celulares reduzem o retorno econômico da indústria do crime, sendo que o advento da internet das coisas deve fazer muito mais para inibir o mercado secundário de produtos roubados.

Entre 2013 e 2020, os furtos e roubos a veículos caíram 50% no Brasil e 64% em SP. Os roubos de carga, depois de atingirem o pico em 2017, recuaram 54% no BR e 49% em SP, atingindo os menores patamares desde 2007. Embora certamente ajudado pelos seguidos lockdowns, a tendência de recuo já vinha de antes da pandemia.

Mas a sensação de insegurança está piorando, não melhorando! 

Embora os dados sejam mais escassos para o período mais recente, há de fato um revés em alguns índices de criminalidade entre 2021 e 2022 que, embora não pareça ameaçar os avanços acumulados nos últimos 10 ou 15 anos, reaviva o temor do prosaico direito de sair à rua.

O número de furtos e roubos de veículos em SP aumentou 13% em 2021 e outros 20% no primeiro trimestre de 2022, enquanto o roubo de cargas subiu 10% em 2021, mantendo o novo patamar em 2022.

Mas o que vem mais inquietando a população é o aumento dos roubos em geral (exceto veículos, cargas e bancos), sobretudo os praticados por criminosos disfarçados de motoboys. Embora o número de roubos em SP tenha mostrado recuo de 33% entre 2016 e 2021 (gráfico abaixo), nos 3 primeiros meses de 2022 houve alta de 7,7%.

* Roubos em geral, exceto veículos, cargas e bancos. Fonte: SSP/SP.

Sem a intenção de simplificar um problema complexo, parece claro uma maior agilidade tanto do setor público quanto do privado na adoção em larga escala de tecnologias já disponíveis poderia dar uma contribuição decisiva para o enfrentamento desse problema.

Em abril deste ano, apenas quatro dias após o brutal assassinato de um jovem na Zona Sul de São Paulo por conta de um celular, a polícia conseguiu identificar e prender o criminoso, ajudada por diversas câmeras de segurança que não só filmaram o crime, mas também boa parte do trajeto feito durante a fuga.

Mesmo usando disfarces e capacetes, há um amplo aparato tecnológico que permite um combate eficiente a esse tipo de crime, incluindo não somente as câmeras de segurança, mas também o rastreamento dos veículos usados pelos bandidos a partir da leitura automática de placas, a identificação de micro padrões de cada criminoso (área de atuação, modus operandi, altura, peso, movimento corporal) com ajuda da inteligência artificial e muito mais.

Não há razões de natureza tecnológica ou econômica que impeçam que essas tecnologias sejam implementadas amplamente em todo o perímetro urbano.

O setor privado também pode fazer melhor. Não há grandes desafios tecnológicos para viabilizar um rastreamento e bloqueio mais eficiente de celulares, impossibilitando o uso indevido e a revenda dos aparelhos roubados. As empresas responsáveis pelos sistemas operacionais (Alphabet e Apple), os fabricantes de aparelhos, as operadoras e a própria Anatel deveriam ser mais responsíveis a esses desafios. Da mesma forma, as instituições financeiras e o Banco Central também deveriam se imbuir de um maior senso de urgência no combate a fraudes com aplicativos de bancos, incluindo os agora famosos golpes do PIX.

Um pequeno percentual da população investe incansavelmente tempo e talento no desenvolvimento de novas modalidades de crime. As autoridades de segurança pública, agências reguladoras e as empresas de tecnologia não podem continuar esperando a nova onda de comoção social para reagir.

Mas enquanto o avanço civilizatório não chega, talvez ajude a reduzir um pouco a ansiedade (apenas talvez) saber que a probabilidade de um roubo virar um latrocínio seja menos de 0,1%, na maioria das vezes causado por tentativas malsucedidas de a vítima reagir ao assalto. E que, segundo alguns levantamentos, 80% das vítimas desses crimes são homens, 30% profissionais da área de segurança e que a posse de arma de fogo aumenta o risco de morte em mais de 50%.

 

“Safety and security don’t just happen, they are the result of collective consensus and public investment. We owe our children, the most vulnerable citizens in our society, a life free of violence and fear.”

Nelson Mandela