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O lixo é um luxo

Dê um look nesse número: 2.120.000.000. Deu? Sabe o que ele significa!? É o total de toneladas de lixo que despejamos no planeta todos os anos. Como somos fofos, nós, seres humanos, não é mesmo?!?

Na ausência do maior painel de LED do mundo – que fica em Las Vegas, nos Estados Unidos, e que mede 110 metros de altura por 160 de largura – para estampar mais esse “remarkable achievement” da humanidade, vamos escrever assim em caixa alta nessa news para todo mundo ter a exata dimensão de como estamos emporcalhando o planeta sem dó e tampouco piedade. VoilàDOIS BILHÕES E CENTO E VINTE MILHÕES. Fonte: Organização das Nações Unidas (ONU).

É muito zero, não é mesmo? Muito, “cê é louco”. Difícil até para aquela calculadora moderninha do smartphone acomodar tantos zeros à direita na telinha full HD do device comprado a peso de ouro.

Mas olhe bem, se a gente tivesse o poder de acomodar as latinhas geladas à beira-mar que consumimos ou as garrafinhas estilizadas, restos de construção, fertilizantes, pesticidas, etcetera, etcetera, etcetera que compõem essa grande marca histórica da humanidade, daria para ir e voltar à Lua. Explico.

Vamos por cada uma dessas toneladas em contêineres, assim alinhadinhos, um na frente do outro. Agora, vamos lotar cada uma dessas grandes caixas até que elas acomodem esses mais de 2 bilhões de toneladas. Pronto, agora é só soltar a imaginação e logo chegaremos ao satélite natural do planeta Terra, sem precisar de foguete que dê ré ou da Apollo 11 de Neil Armstrong, que deve estar se questionando de onde estiver sobre que “engenhoca” seria essa. “Seria uma escada de contêiner??”! Right, mr. Armstrong.

Navio cargueiro transporta contêineres de lixo.

Mas não há o que esteja ruim que não possa piorar, não é mesmo?!? Porque a dona ONU projeta que a geração global de resíduos tem tudo para chegar a 3,8 BILHÕES de toneladas por ano até 2050.  O-h, m-y g-o-d-n-e-s-s!

Calma… Tem mais. E essa é de sair abraçando qualquer um pela frente, achando que ganhou na Mega-Sena da Virada.

Sabe aquela jaquetinha transada que custou quase mil dólares? Ou o sapato em couro italiano que ultrapassou fácil a casa dos mil euros? Então, a ONU afirma categoricamente que incrivelmente 99% dos produtos que as pessoas compram são jogados fora dentro de seis meses. Isso mesmo: S-E-I-S míseros meses.

Mulher em lixão com sacolas de compras, em cima de uma pilha de lixo na praia. Conceito de consumismo versus poluição.

“O volume de lixo no mundo é enorme. Uma parte é reciclada, mas muito (dele) é simplesmente descartado, causando problemas de saúde para as pessoas, seus animais e poluindo nosso meio ambiente”, disse Maimunah Sharif, chefe do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). “A quantidade de lixo produzido por indivíduos, comunidades, empresas, instituições, mercados e fábricas continua a crescer tremendamente”, alertou Sharif à imprensa.

Mas muita hora nessa calma. 😉. Melhor. Muita calma nessa hora. Para reverter e tentar dar uma solução a esse problema, a humanidade lançou mão de duas palavras que juntas dão um significado completamente diferente de quando estão separadas: Economia Circular.

É um jeitão de encarar o que produzimos, como fabricamos e como consumimos bem diferente do convencional. Afinal, QUASE todo mundo já sacou que os desafios ambientais, como a exploração finita dos recursos naturais e as mudanças climáticas, estão na ordem do dia. E exigem mudança profunda nos modelos de produção. Ainda mais no ano da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que vai ser realizada em Belém (PA), em novembro, e vai trazer discussões como essas.

 

Então, antes de mais nada, vamos entender “o que comem, como vivem, onde estão”… Com o perdão da piada.

O que é economia circular?

Primeiro, não se trata de “ciranda, cirandinha”. Nem é uma das provas de “Round Six”, a popular série exibida no streaming Netflix. Não, longe disso.

Economia Circular, segundo Ellen MacArthur Foundation, uma das principais organizações globais de promoção desse modelo, é um sistema em que os materiais nunca se tornam resíduos e a natureza é regenerada. “Em economia circular, produtos e materiais são mantidos em circulação por meio de processos como manutenção, reutilização, reforma, remanufatura, reciclagem e compostagem. A economia circular aborda as mudanças climáticas e outros desafios globais, como perda de biodiversidade, resíduos e poluição, desvinculando a atividade econômica do consumo de recursos finitos”, explica a fundação.  Isso significa o oposto do modelo linear, que vem desde a Revolução Industrial e se baseia na ideia de “pegar-fazer-descartar”.

Conceito de economia circular.

Captou? Pois bem… Mas adianto, a caminhada é longa. Longuíssima.

O Circularity Gap Report, relatório lançado em 2020 pela Circle Economy, entidade global da economia circular, afirma que apenas 8,6% da economia global é circular.

E o Brasil nisso tudo, que apito toca?

Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) dão conta que o País recicla apenas 4% dos resíduos sólidos urbanos. Ou seja, tocamos um apito bem, bem baixinho.

Mas felizmente também há boas novas nessa história em “Terra Brasilis”. Falando especificamente do setor de plásticos, a reciclagem de materiais superou a marca de 1 bilhão de toneladas em 2021, uma alta de 14,3% em relação ao ano anterior, de acordo com estudo da MaxiQuim, consultoria especializada do setor. Segundo esse levantamento, o montante reciclado equivale a 22,1% do total de plástico produzido no País por ano.

No setor de papel e papelão verde-amarelo, a taxa de reciclagem também vai muito bem, obrigado. Alcança ótimos 60%, com reutilização de mais de 5,1 milhões de toneladas anuais.

Pilha de papel e resíduos plásticos coletados para reciclagem.

Ok, ok, ok, setores esporádicos à parte, o fato é que há “dinheiro na mesa” sendo deixado. Sim, porque apesar de não encontrar essa informação em nenhum letreiro gigantesco de LED em Vegas, o fato é que há oportunidades. E boas. E elas estão conectadas à inovação, fundos de venture capital, startups e todo esse ecossistema.

Ramalho observa que a economia circular abrange uma vasta gama de atividades, da indústria têxtil à de energia e reciclagem de plásticos e garrafas PET, entre outras. E o portfólio, claro, procura caminhar em meio a essa variedade, abraçando iniciativas que vão desde o segmento da moda, como a Dress&Go, até com quem transforma resíduos em energia ou materiais de alta performance, caso da CHP Brasil.

PET reciclado

Fundada em 2007 e com sede na cidade de Montauri, no Rio Grande do Sul, a Lamiecco fabrica revestimentos feitos a partir de garrafas PET. Com quase 100 colaboradores diretos, ela produz revestimentos internos sustentáveis para diferentes segmentos de mercado, como a construção civil (portas, batentes, molduras e revestimentos de paredes), e implementos rodoviários (carretas, ônibus e motorhome). A produção mensal de revestimentos sustentáveis é de 500 toneladas.

Recentemente a startup foi um dos três projetos aprovados pela FINEP, agência pública que financia a inovação no Brasil, recebendo mais de R$ 8 milhões em verbas.

Os recursos, afirma Figueiró, serão aplicados na ampliação do Centro Tecnológico Lamiecco (CTL), com aquisição de equipamentos para simular os aparelhos existentes na fábrica. Segundo o empreendedor, o CTL é o laboratório mais bem equipado do segmento de revestimentos na América Latina.

Centro Tecnológico Lamiecco (CTL).

“Com os investimentos que estamos realizando, logo seremos um dos maiores do mundo no segmento. A capacidade fabril está sendo duplicada em 2025, com aquisição de novas linhas, investimentos em infraestrutura e qualificação dos processos fabris. Hoje, somos líderes no segmento de revestimentos para portas e batentes na América Latina, fornecendo para os maiores players nacionais e em países como Chile, Argentina e Peru”, afirma.

Dejeto de Ouro

No caso da CHP Brasil, empresa fundada há 14 anos no Rio de Janeiro, a economia circular se dá por meio do biogás. A empresa oferece equipamentos para a geração de energia a partir de fontes alternativas e menos poluentes. A companhia nasceu a partir do desenvolvimento de seu principal produto, a linha de geradores de energia a gás natural, idealizada em 2004, com apoio da FINEP.

Atualmente, a CHP foca na criação de produtos que buscam eficiência energética, economia de recursos e redução na emissão de poluentes. A produção atende a segmentos diversos do mercado, de residências a grandes indústrias, e desenvolve projetos para empresas com uso intensivo de tecnologia.

Circuler avec Élégance

Do mesmo jeito que o Uber monetiza o carro parado na garagem e o Airbnb transformou a residência numa mina de dinheiro, a Dress&Go sacou que aquele vestidinho mofando no armário tinha muito potencial.

Fundada em 2012 por Bárbara Almeida e Mariana Penazzo, a Dress&Go é pioneira no aluguel e revenda de roupas no Brasil, promovendo a circularidade do mercado da moda, um dos mais poluentes do mundo. Com mais de 200 mil produtos circulados, a empresa já economizou mais de 1 milhão de libras de carbono, o equivalente ao trabalho de aproximadamente 35 mil árvores. Lembrando que uma libra dá quase meio quilo.

Bárbara Almeida e Mariana Penazzo, da Dress&Go.

Agora, a Dress&Go dá um passo estratégico rumo ao B2B, ou seja, negócios entre empresas, oferecendo sua expertise para grandes marcas de varejo que desejam ingressar no mercado de economia circular, mas não possuem o conhecimento operacional necessário.

Essa transição permite que a startup amplie seu propósito de tornar o varejo mais sustentável, ajudando marcas a disponibilizarem serviços de economia circular diretamente aos seus clientes.

Mas como funciona? “A cliente envia a peça usada e ganha um crédito para comprar um novo item da marca. Depois, essa peça usada fica com a Dress&Go, e a gente revende em várias plataformas”, afirma. “Então para a marca é super interessante porque isso tangibiliza muito a sustentabilidade para ela. Hoje as empresas fazem várias coisas de ESG que o cliente final não consegue nem ver”, acrescenta.

Pois é. Ver. Enxergar. É tudo muito visual no século XXI. E se assim o é, não adianta ser, é preciso parecer, já diria o velho e surrado ditado romano sobre a mulher de César.

Há potencial. Há demanda. Há urgência. Então, não é um termo da moda ou uma preferência da ala progressista da humanidade. A economia circular precisa ganhar escala e entrar de vez no circuito global, porque é necessário. Na medida em que pode ser uma “arma” bastante eficaz no combate à produção desenfreada, que demanda extração de mais matéria-prima para satisfazer o consumo desenfreado. Não é oba-oba ou filosofia barata, o futuro da humanidade está em jogo e pede atitude na construção de soluções. Não hoje. Mas as pede desde antes de ontem!

“Tornamos o futuro sustentável quando investimos nos pobres, não quando insistimos em seu sofrimento”

Bill Gates

3 perguntas para…

Eduardo Romeiro Filho

Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Engenharia de Produção Coppe -Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia), da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

(Foto: Divulgação)

1) Quais são os principais desafios para implementar modelos de economia circular em um país com a extensão e a diversidade socioeconômica do Brasil? E como podemos superá-los?

O modelo circular pressupõe que as cadeias produtivas sejam articuladas de forma que não exista o “resíduo” ou “descarte final” do produto, posto que o antigo produto seja reincorporado aos processos de produção. A lata de alumínio é um exemplo interessante, visto que sua reciclagem permite que o material seja matéria-prima para outras latas, com igual eficiência e a um custo energético (e econômico) bem menor. Com outros materiais, como o papel, a reciclagem (quando existe) resulta em um produto menos nobre, com características distintas do original, restringindo sua circularidade. Além disso, a existência de cadeias produtivas globais, notadamente para produção de eletrônicos, dificulta muito o processo de recuperação de materiais, pois depende de tecnologias específicas e complexas para, por exemplo, separação de metais nobres. Isso acaba impondo a existência de um sistema de logística reversa bastante complexo, o que ainda é inviável do ponto de vista técnico e econômico. Em um país com a extensão do Brasil e grandes diferenças econômicas entre regiões do país, este problema se torna ainda mais complicado.

2) Como empresas e comunidades podem trabalhar juntas para impulsionar práticas de economia circular que sejam econômica e socialmente inclusivas?

Sem dúvida, desde que sejam desenvolvidas tecnologias (incluindo produtos, serviços e processos) que incorporem a circularidade como parâmetro, desde a concepção de novos produtos. Produtos que sejam facilmente desmontáveis, utilizem materiais locais (ou que possam ser reciclados e reutilizados localmente) e requerem menos energia em sua produção são alguns exemplos. Creio que a grande questão para a circularidade dos processos de produção está no design de novas soluções que permitam que o reaproveitamento de recursos – como em um processo de desmontagem do produto em seu final de vida útil – seja realizado longe da origem destes produtos. O caso dos módulos fotovoltaicos é interessante: grande parte é produzida na Ásia e em poucos anos teremos uma grande quantidade de módulos para serem descartados, em todo o mundo. Mas estes módulos não foram projetados tendo em vista uma perspectiva circular. O que fazer? Criar um sistema de logística reversa e enviar tudo de volta ao fabricante? Construir “fábricas” para desmontagem de módulos? Ou conceber módulos que, ao final de sua vida útil, possam ser desmontados ou utilizados para outros fins? Como reutilizar localmente recursos, como matérias-primas, oriundos de produtos importados? São questões ainda em aberto.

3) O senhor destaca a criação de “células de produção e consumo circulares” como uma solução para logística reversa no Brasil. Poderia explicar como essas células funcionam na prática e quais setores poderiam se beneficiar mais desse modelo?

Vou dar um exemplo a partir da resposta anterior. Estamos conduzindo pesquisas na UFMG procurando formas de incorporar aos processos de produção módulos fotovoltaicos em final de vida útil, com destaque para o reaproveitamento do silício. As experiências que levantamos em outros países requerem alta tecnologia e custos em grandes plantas industriais. Em um país como o Brasil, o transporte de módulos por longas distâncias até estas plantas aumentaria bastante os custos, além de gerar mais impactos ambientais. Temos tentado criar sistemas de desmontagem simples, que possam ser realizados em pequenas comunidades que serão responsáveis por uma primeira etapa de separação, reduzindo o volume e o peso do material a ser separado com tecnologia mais sofisticada. De uma forma semelhante, é possível articular processos circulares, ainda que de forma limitada, em determinadas regiões, a partir de características econômicas e sociais locais. É uma abordagem que alguns pesquisadores chamam de “design sistêmico”, quando os recursos e processos existentes em determinado território são mapeados e se articulam no sentido de redução de desperdício e geração de resíduos no próprio território. Produção e consumo locais, em setores em que existe a expertise e a disponibilidade de recursos. O Brasil tem diferentes experiências de APLs (Arranjos Produtivos Locais) nas áreas de alimentos, móveis, calçados etc. que poderiam incorporar a circularidade como parâmetro de planejamento. É um princípio interessante que pode ser um caminho gradual para a economia circular no Brasil.