Zunido da inovação

O zunido de uma picada de inovação

Todo Carnaval no Brasil, ele brilha. Até hoje as fantasias continuam populares país afora. Não se incomoda com fumaça ou fumacê, gosta de água limpinha e quando enxerga a chance de combinar calor e chuva, logo coloca as asinhas de fora.

Mas apesar dos gostos acima dar a entender que falamos de alguém simpático, na verdade nossa estrela dessa edição está longe de ser o melhor amigo do homem. Pelo contrário. Tem se mostrado um dos piores. Com vocês, o velho companheiro de cada verão do País Tropical, o matreiro mosquito da dengue: aedes aegypti.

Ele, de fato, é danado. Porque mesmo conhecendo bem o nosso algoz, o aedes aegypti sempre dá um jeito de encontrar uma forma de se reproduzir, agregar novas enfermidades e causar estrago, como tem feito.

No caso da atual epidemia de dengue, a gente sabe há tempos que ao contrário do mosquito comum (o culex para ciência, pernilongo pra geral), o aedes aegypti, além da água limpa, adora um ambiente urbano. Só que tem mais.

Meio preguiçoso, ainda bem, o aedes não é chegado a grandes voos. O negócio dele, assim como o de Usain Bolt, é 100 metros. Em certa medida, rasos. Porque ele voa no máximo a um metro do chão e numa distância que não supera os tais 100 metros.

Usain Bolt nos jogos do Rio-2016. Foto: PEDRO UGARTE / AFP retirada do O Globo Esportes.

Pra piorar tudo, o mosquito da dengue, do zika e do chikungunya se reproduz numa velocidade de “coelho”… Mesmo a fêmea vivendo, no máximo, 45 dias, ela tem três ciclos reprodutivos, o que lhe permite botar entre 60 e 120 ovos em cada um deles. Ou seja, é às pencas que ele se prolifera.

Pode parecer um mero detalhe, mas essa descoberta, feita na virada do século XXI, permitiu que Álvaro criasse uma nova forma de combater a dengue: uma armadilha para fêmeas do aedes, com feromônios que atraíssem o mosquito para uma superfície com cola, pronta para prendê-lo antes de distribuir uma nova geração por aí. Sim, você entendeu direitinho: foi pelo cheiro exalado da espécie que Eiras matou a charada.

Com esse enigma resolvido, acrescida de uma cavalar dose de inovação, o pesquisador formatou o MosquiTrap, o primeiro produto da Ecovec, empresa que o cientista montou em parceria com o recém-criado Instituto Inovação, responsável por trabalhar na gestão da companhia e buscar recursos para desenvolvimento de produtos, fazendo a transferência de conhecimento da academia para o mercado.

Armadilha desenvolvida pela Ecovec. Foto retirada de www.em.com.br.

A primeira ideia foi vender as armadilhas para pessoas físicas, mas não deu muito certo – até porque muita gente acha que o problema da dengue é mais do governo e menos de cada indivíduo. Como se diz atualmente, faltava product-market fit. Ao pensar no poder público como público-alvo (sem trocadilhos), a Ecovec acabou dando um passo além.

A armadilha era apenas o primeiro movimento de um sistema de monitoramento que qualquer município poderia usar para rastrear focos agudos e criadouros do aedes aegypti, de maneira mais barata e eficaz que colocar o fumacê pra rodar ou disparar equipes de agentes por toda a cidade. O sistema recebeu o nome de M.I. Dengue e era uma ideia tão boa que até mesmo Bill Gates se interessou por ela em um evento em 2006.

A essa altura, o leitor pode se perguntar porque nunca ouviu falar dessa solução, que viria tanto a calhar em 2024. Só que os tempos eram outros. Se uma startup vender para o governo é tarefa difícil hoje, há vinte anos era ainda mais.

Bill Gates em estande de apresentação do M.I. Dengue em 2006, com Gustavo Junqueira (o primeiro de costas).

Agora, apesar da dengue ser um problema global, o Brasil é o maior mercado que sofre com a doença – o que atrapalhava qualquer plano de internacionalização. E em 2006, venture capital ainda era ficção científica por aqui, sendo que a maior parte dos investimentos na Ecovec surgiam no financiamento público, numa velocidade que não acompanhava a inovação.

Ainda assim, a ideia rendeu frutos: em 2019, a Ecovec foi vendida para a inglesa Rentokill, uma das maiores companhias de controles de praga do mundo – na venda, o Instituto Inovação teve um múltiplo de 6,7 vezes – obviamente, o valor da operação está trancado a sete chaves. Hoje, a iniciativa de software da Ecovec é uma parte cada vez mais relevante da Rentokill, tendo diversos municípios no Brasil como clientes.

O fruto maior, porém, talvez você já saiba, mas não custa contar de novo: quem liderou o lado de negócios da Ecovec naqueles primeiros anos, pelo lado do Instituto Inovação, foi o Gustavo Junqueira. Após a experiência, ele percebeu que havia uma forma interessante de aliar inovação com capital – e as lições aprendidas na Ecovec ajudaram Junqueira a formatar a Inseed, gestora de investimentos que ganhou o primeiro edital do BNDES para a criação do primeiro fundo Criatec, abrindo o caminho para o capital semente no Brasil. Muito tempo depois, a Inseed se juntaria com a A5 e viraria a KPTL. E o resto é história… tirando o vírus da dengue, que infelizmente segue sendo um problemão para todo mundo – pelo menos até as vacinas não chegarem.

Gustavo Junqueira. Foto retirada de kptl.com.br.

“Some things are impossible. Until they aren’t”

3 perguntas para…

Alfredo Giglio

Professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP e médico-coordenador da clínica de imunizações do Hospital Israelita Albert Einstein.

1) Vivemos hoje uma epidemia de dengue no País, no mesmo momento em que o Instituto Butantan desenvolve uma vacina contra a doença. Qual a importância de vacinas para solucionar crises como essa? Há uma previsão para a população começar a receber a aplicação? E, enquanto isso, o melhor a fazer é seguir as dicas de prevenção usuais?

“Temos hoje um número muito grande de casos de dengue, com alguns lugares na faixa epidêmica e outros um pouco abaixo, mas em todos houve um crescimento muito grande em relação aos últimos anos. Não há nenhuma dúvida que as vacinas vão ter importância crucial para bloquear e reduzir esses casos de dengue. Temos a Qdenga, vacina do laboratório Takeda, que foi aprovada pela Anvisa já está no Programa Nacional de Imunizações (PNI), mas não há volume suficiente para vacinar todos – por isso, o Ministério da Saúde tem que fazer escolhas, priorizando crianças em alguns municípios. Em relação à vacina do Butantan, todos os dados que temos até agora mostram que é uma vacina muito boa, especialmente por ser de dose única, mas ela precisa passar por um trâmite de aprovação pela Anvisa antes de ser produzida em escala e entrar no PNI. Há uma enorme expectativa de que será uma vacina muito útil, mas na melhor das hipóteses a aprovação acontecerá entre o final deste ano e o início de 2025. E por enquanto, o que há a fazer são as medidas clássicas e amplamente conhecidas, como combater água parada, eliminar focos das larvas, uso de repelente e usar roupas de manga comprida, se for possível.”

2) Historicamente, o processo de desenvolvimento de vacinas costuma ser lento. Por que isso acontece?

“É preciso seguir uma série de passos até colocar uma vacina no mercado, para qualquer doença. O primeiro passo é fazer estudos em animais para verificar a segurança da vacina. Depois disso, os estudos são feitos com adultos voluntários, ainda apenas no aspecto de segurança. Em seguida, é possível aumentar a amostra para verificar a imunogenicidade – isto é, se a vacina induz a produção de anticorpos –, além de seguir acompanhando a segurança. Numa fase subsequente, é preciso verificar a eficácia, com a introdução de um grupo placebo, levando mais tempo por conta do contato com a doença. O processo é longo mesmo e não tem mágica, muitas vacinas são estudadas há muitos anos, como a da dengue.”

3) Em que medida é possível acelerar esse processo de desenvolvimento de vacinas, como aconteceu no caso da covid-19? É algo que se aplicaria para vacinas de diferentes doenças?

“Houve um processo acelerado no caso das vacinas da covid-19, mas a razão era óbvia: tínhamos uma pandemia monstruosa matando milhares de pessoas no mundo inteiro. É preciso dizer que se investiu uma fortuna, algo sem precedentes em termos de investimentos, o que antecipou uma série de pesquisas que já estavam rolando, como as vacinas de RNA-mensageiro. Já havia uma ideia, mas a covid-19 estimulou esse desenvolvimento. É importante dizer que não foram pulados passos no desenvolvimento dessas vacinas, é mentira quem diz que a vacina de covid-19 não foi testada.”